domingo, 25 de dezembro de 2011

Marxismo não dogmático.


O senador Cristovam Buarque publica em seu site uma interessante análise do último livro de Eric Hobsbawn – “Como mudar o mundo” -  Buarque destaca, de saída, a abertura original do livro que relata o encontro do historiador com o  milionário financista George Soros e enfatiza, em trecho a seguir, o caráter não dogmático do marxismo.

“Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo, encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com o objetivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto direto que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”.
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Que coisas de Marx é preciso conservar? Em primeiro lugar, a natureza política de seu pensamento. Para ele, mudar o mundo é o mesmo que interpretá-lo (parafraseando uma das míticas “Teses de Feuerbach”); Hobsbawm considera que há um temor político em vários marxistas de se verem comprometidos com uma causa, sabendo de antemão que para entrar na leitura de Marx teve que haver primeiro um desejo de tipo político: a intenção de mudar o mundo.
Em segundo lugar, a grande descoberta científica de Marx, a mais-valia, também tem lugar neste ensaio histórico de erro e acerto. Reconhecer que há parte do salário do operário que o capitalista conserva para si com o objetivo de aumentar os lucros, com a passagem do tempo é encontrar a prova de uma opressão histórica, o primeiro passo para chegar a uma verdadeira sociedade sem classes, sem oprimidos. Os operários estão conscientes dessa injustiça e só mediante uma organização política coerente poderão “dar uma reviravolta”. Ao contrário do que acreditavam os gurus da globalização, nem os operários nem o Estado são conceitos em desuso: Hobsbawm esclarece que “os movimentos operários continuam existindo porque o Estado-nação não está em vias de extinção”.
Por último, a existência de uma economia globalizada demonstra aquilo que Marx reconheceu como a capacidade destruidora do capitalismo, mais um problema a resolver que um sistema histórico definitivo. Hobsbawm chama a atenção, a partir do filósofo alemão, para essa “irresistível dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e sua capacidade de destruir todo o anterior, incluindo também aqueles aspectos da herança do passado humano dos quais o capitalismo se beneficiou, como, por exemplo, as estruturas familiares”. O capitalismo é selvagem por natureza e seu final – ao menos, o final da ideia clássica de capitalismo – é evidente para qualquer pessoa no mundo.
É muito difícil dizer que da análise de Marx se possa tirar um plano de ação “à prova de bala”. A teoria marxista clássica falou muito pouco sobre modelos de Estado ou do que aconteceria uma vez instalada a revolução, mas muito sobre análise econômica: pensando o que acontece é que se pode saber como agir. O que Marx deu foram ferramentas, não receitas dogmáticas. Como bem disse Hobsbawm, os livros de Marx “não formam um corpus acabado, mas são, como todo pensamento que merece este nome, um interminável trabalho em curso. Ninguém vai convertê-lo em dogma, e menos ainda em uma ortodoxia institucionalmente ancorada”.
Íntegra do comentário em
 http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_content&view=article&id=4402:como-mudar-o-mundo-novo-livro-de-hobsbawm-&catid=1&Itemid=100038


2 comentários:

  1. Parabéns pelo post!

    Confesso que estava bastante ansioso para que a obra, inicialmente editada pelo Little, Brown Book Group, pudesse chegar até nós, o que, graças à Companhia das Letras aconteceu.

    Recentemente, pude ler "Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011".

    Com efeito, Robsbawm --- apesar de sua já avançada idade [salvo engano, é contemporâneo à Revolução Bolchevique - 1917] --- continua o "craque" de sempre.

    Peço vênia para destacar, apenas, alguns poucos pontos acerca da obra.

    Note-se que, em dado momento, quando o nome de William Morris é mencionado, resta claro que as críticas --- tendo como fundo os artesanatos e as artes capitalistas ---, que, àquela época, "pipocavam" em Londres mostravam-se, na realidade, razoáveis, levando-se em consideração que, naquele mesmo período e local, o já avançado capitalismo industrial nutria verdadeira repulsa pelas artes/artesanatos.

    Em outra passagem, ao tratar sobre os anos 30, Hobsbawm narra, de forma interessante, a relação marxismo x ciência, chegando a afirmar que aquele revelou-se o único momento de aproximação entre cientistas e marxismo.

    Bem vistas as coisas, soava iminente o aparecimento de um fascismo "irracionalista", quando, então, as características marxistas oriundas do Iluminismo [v.g., a crença na ciência e na razão] despertaram o interesse de pessoas como, por exemplo, Joseph Needham, dentre outros.

    Já nos anos 60/70 --- no decorrer do renascimento histórico posterior do marxismo ---, sobressaiu-se o denominado Marxismo Ocidental e, por consequência, seus padrões filosóficos e culturais.

    Com efeito, o progresso, a ciência, e a razão, de modo diverso, foram esvaziados --- pelo que se pode compreender através da exposição do autor ---, de importância, dando ensejo, assim, à negação de cultos libertários e do desejo, por exemplo.

    Por fim, apesar da radical mudança de vertente, merece realce a seguinte afirmação de Hobsbawm sobre Marx: “Os únicos pensadores individualmente identificáveis que alcançaram status comparável são os fundadores das grandes religiões do passado; e, com a única possível exceção de Maomé, nenhum deles triunfou nem tão rapidamente, nem em escala comparável”.

    Talvez pelo avançado horário, e o natural cansaço dele advindo, não tenha conseguido expressar, da melhor forma, algumas de minhas impressões, motivo pelo qual peço, desde logo, perdão.

    Acredito que, por força do interesse que o tema me desperta, meus dedos --- como, inclusive, já falado por mim --- parecem, por si próprios, alcançarem as teclas de meu computador, fazendo como que, certas ou não, as idéias surjam na tela.

    É sempre com muito gosto que acompanho e, eventualmente, procuro acrescentar algo ao blog --- sem qq pretensão, é bom frisar, de "enriquecê-lo", já que, à toda evidência, é "rico" por natureza.

    Forte abraço,

    BR

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  2. Caro BR,
    Efetivamente,seus comentários enriquecem o blog e os seus leitores. Confesso que ainda não li o "Como mudar o mundo", por isso recorri à avaliação do senador Cristovam Buarque - figura de 1ª grandeza no mundo da educação e da cultura (seriam mesmo 2 mundos?!?!). Li todos os clássicos do Eric e mais recentemente a sua introdução aos FORMEN.
    Esperando continuar contando com seus ricos comentários, super abraço
    Elysio

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