domingo, 29 de janeiro de 2012

O 18 Brumário by Engels.


Passados 33 anos da primeira edição do “18 Brumário de Louis Bonaparte”, Engels prefacia a terceira edição alemã, em 1885. No texto, compara a “lei” da luta de classes à lei da transformação de energia – uma atitude “iluminista” que colocava a ciência como dominante na hierarquia das atividades humanas. Uma postura presente em toda o obra de Marx – vide o “socialismo científico” em oposição ao “socialismo utópico”, de  Proudhon. Esta obsessão “cientifista” está longe de ser uma exclusividade de Marx – que ficou fascinado com a “Origem das Espécies”, de Darwin – e está presente em todo o pensamento de vanguarda do século 19, inclusive no Positivismo de Comte e mesmo no Espiritismo de Kardec.
A seguir, o trecho selecionado.

 “A França é o país em que as lutas históricas de classes sempre foram levadas mais do que em nenhum outro lugar ao seu termo decisivo e onde, portanto, as formas políticas mutáveis dentro das quais se movem estas lutas de classes e nas quais se assumem os seus resultados, adquirem os contornos mais ousados. Centro do feudalismo na Idade Média e país modelo da monarquia unitária de estados desde o Renascimento a França demoliu o feudalismo na grande revolução e fundou a dominação pura da burguesia sob uma forma clássica como nenhum outro país da Europa. Também a luta do proletariado cada vez mais vigoroso contra a burguesia dominante reveste aqui uma forma aguda, desconhecida noutras partes. Esta foi a razão por que Marx não só estudava com especial predileção a história passada francesa, mas também seguia em todos os seus pormenores a história em curso, reunindo os materiais para os empregar posteriormente, e portanto nunca se via surpreendido pelos acontecimentos.
Mas a isto veio acrescentar-se outra circunstância. Foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são, na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes sociais, e que a existência destas classes, e portanto também as colisões entre elas, são condicionadas, por sua vez, pelo grau de desenvolvimento da sua situação econômica, pelo caráter e pelo modo da sua produção e da sua troca, condicionada por estes. Foi também esta lei, que tem para a história o mesmo significado que a lei da transformação da energia para a Ciência da Natureza, que lhe deu aqui a chave para a compreensão da história da Segunda República francesa. Esta história serviu-lhe para pôr à prova a sua lei, e mesmo trinta e três anos depois, temos ainda que dizer que esta prova foi brilhantemente passada. “

sábado, 28 de janeiro de 2012

Os Revisionistas.


No portal Educaterra, o professor de história Voltaire Schilling – recentemente condecorado pelo Presidente Sarkozy – faz um excelente resumo do papel dos “revisionistas” de Marx. No meu tempo de “partidão” – vide ao lado no “perfil”- a expressão era um xingamento. Para conhecer os textos do prof. Voltaire, acesse http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/crise_economia4.htm
Certamente, o capitalismo não é eterno, ao contrário da proposta conservadora dos revisionistas, mas, o caminho atual para a sua superação/substituição não passa pela revolução proletária ( onde estão os proletários na sociedade do conhecimento ???) mas pela via democrática, preferencialmente direta e não representativa. A seguir, o texto do professor gaúcho:

“Destacam-se no campo da economia-política como os principais revisionistas de Marx, Eduard Bernstein, um alto membro da social-democracia alemã, e os economistas Tugan-Baranowsky e Rudolf Hilferding. Fazendo largo uso das estatísticas da época, em estudos acurados, demonstraram que a evolução do capitalismo não aumentara a miséria dos trabalhadores. Ao contrário, a prosperidade foi tamanha que não só não esmagou os pequenos negócios como beneficiou também os operários fabris, que melhoraram muito seu padrão de vida a partir de 1880. Hilferding no seu "O Capital Financeiro" (Das Finanzkapital, 1910), mostrou que acumulação do capital e a fusão de empresas não provocava - devido a adoção das sociedades por ações - a redução do número de proprietários e que, necessariamente, não conduzira à miserabilidade das massas.

A conclusão que eles chegaram é que o capitalismo tinha capacidade de expandir-se ilimitadamente. Nenhuma crise terminaria com ele. O socialismo seria implantado pelo aumento da consciência e da força do movimento operário, não porque uma força cega qualquer colocasse o capitalismo de joelhos. Não haveria nenhuma revolução social nos países industrializados do Ocidente porque as massas ascenderam e se integravam nos direitos gerais da cidadania. Desde então a teoria do colapso foi vista por muitos como uma transposição para ao campo da economia da supersticiosa idéia do Juízo Final.
Os partidos socialistas europeus deveriam, como conseqüência, enrolar as bandeiras revolucionárias e participar das eleições. Trocando a revolução pela reforma, sepultariam a idéia da ditadura do proletariado preconizada por Marx, substituindo-a pela aceitação da democracia parlamentar.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Marx em Davos ?

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O jornal carioca O Globo, na edição de hoje, 22/01/11, publica reportagem sobre o Fórum Econômico Mundial, que acontece nesta semana em Davos ( Suíça). Fica o destaque para o organizador do evento, Klaus Schwab e sua afirmativa de que o mundo vive uma “síndrome de esgotamento” e uma “lacuna de moralidade”. Destaca ainda que o capitalismo perdeu a validade. Segue um trecho da matéria.

“Criador do Fórum, Klaus Schwab, que há 41 anos defende com unhas e dentes as idéias do capitalismo, agora diz: “O capitalismo, na sua atual forma não serve para o mundo à nossa volta. Fracassamos em aprender as lições da crise financeira de 2009”.

Freud pouco sabia de Marx.


Em 16/7/10, o site www.perfeição.org publica uma postagem interessante sobre o tema “psicanálise e marxismo” e apresenta uma conclusão: Freud reconheceu, dois anos antes de sua morte, que pouco conhecia das idéias de Marx e Engels.

“Freud nunca chegou a conhecer bem o pensamento de Marx. Quem primeiro trouxe a discussão à Sociedade Psicanalítica de Viena foi Adler, mas ele não tinha uma boa compreensão do que estava expondo a Freud, que por sua vez, não se "empolgou" com o assunto.

Talvez o maior psicanalista que tenha trabalhado nessa síntese tenha sido o Reich. Ele era comunista, e muitos anos depois também apresentou a Freud algumas coisas de Marx. No entanto, ele também introduziu muitas de suas próprias idéias como sendo de Marx, e são elas que Freud critica em "O mal-estar na civilização". Ou seja, neste livro Freud critica muito mais Reich do que Marx.

Dois anos antes de morrer Freud reconheceu que seu conhecimento do marxismo era mínimo (assim como ele já tinha feito em "O mal-estar na civilização") e disse o seguinte:

"Sei que os meus conhecimentos sobre o marxismo não revelam nenhuma familiaridade maior, não mostram uma compreensão adequada dos escritos de Marx e Engels. Fiquei sabendo mais tarde, com certa satisfação, que nem um nem o outro negaram a influência dos fatores do ego e do superego. Isso desfaz o principal conflito que eu pensava existir entre o marxismo e a psicanálise."

Esta última citação eu extraí do livro "O marxismo na batalha das idéias", de Leandro Konder, p. 111.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Marxismo X Freudismo.


Um filósofo (Arthur Meucci) e um psicólogo (Felipe Tavares Paes Lopes) uniram seus conhecimentos e talentos para produzir um interessante ensaio sobre “dessemelhanças e semelhanças” entre marxismo e freudismo. Entre outras conclusões ousadas citam Althusser, para quem “tanto Marx como Freud afrontam as ideologias burguesas dominantes”. Selecionei dois trechos. Para ler a integra: http://pt.scribd.com/doc/532332/Marxismo-e-Freudismo-Dessemelhancas-e-Semelhancas-Epistemologicas

“Assim, se Freud identificou as forças cegas do inconsciente, que inclinam o homem a agir dessa ou daquela forma; Marx, por sua vez, identificou a natureza contraditória da sociedade e sua manifestação latente na psique humana:  a ideologia. A natureza plural, efêmera e incoerente do homem é,assim, trazida à tona por ambos pensadores. Aquele homem idealizado pelos filósofos da consciência não passa de uma ilusão.Tanto um como outro negam a primazia da consciência, isto é, aceitam indiscutivelmente que existe uma realidade fora do pensamento. Freud faz isso, fundamentalmente, no seu ataque à psicologia idealista; já Marx, ao inverter Hegel. Se em Hegel a razão é que fazia a história; em Marx, é o próprio conhecimento que é histórico.
Para Althusser, podemos ver nessa concepção e crítica comum mais do que a denúncia do caráter ingênuo da filosofia da consciência,  a idéia de que a noção de um sujeito unificado é interessada e serve de base para toda a ideologia burguesa. Basta pensarmos sobre as palavras de Freud quando este se aproximava da América que estava por visitar: trazemos-lhes à peste e as pronunciadas por Marx ao definir O Capital como o mais gigantesco míssil lançado na cabeça da burguesia capitalista
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Eis um dos pontos de maior impasse para o desenvolvimento de um diálogo entre esses programas. Enquanto marxistas como Bakhitin (Assoun, 1991) enxergam em Freud o reflexo da ideologia burguesa, desconsiderando, assim, grande parte de seus argumentos e conceitos para análise do homem e da sociedade; outros, como Althusser, afirmam que em um contexto mais amplo, tanto Marx como Freud afrontam as ideologias burguesas dominantes. De nossa parte, evidentemente, longe de qualquer pretensão de esgotarmos o complexo assunto, esperamos apenas ter ingressado com alguma dignidade nessa riquíssima malha discursiva sobre esse diálogo. Mesmo se cometemos alguns equívocos durante a análise, ainda assim acreditamos ter valido a pena essa aventura teórica, e ter explicitado nossa idéia central. Afinal, como escreveu uma vez Espinosa:
Tudo o que é belo é tão difícil como raro.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Cristianismo primitivo e socialismo.


Em 1895, Engels produz um de seus últimos ensaios – Contribuição para a História do Cristianismo Primitivo – onde faz interessante paralelo sobre o cristianismo primitivo e o movimento operário do final do século 19. Otimista, Engels profetiza um rápido “triunfo definitivo” do socialismo.

“A história do cristianismo primitivo oferece curiosos pontos de contato com o movimento operário moderno. Como este, o cristianismo era, na origem, o movimento dos oprimidos: apareceu primeiro como a religião dos escravos e dos libertos, dos pobres e dos homens privados de direitos, dos povos subjugados ou dispersos por Roma. Os dois, o cristianismo como o socialismo operário, pregam uma libertação próxima da servidão e da miséria; o cristianismo transpõe essa libertação para o Além, numa vida depois da morte, no céu; o socialismo coloca-a no mundo, numa transformação da sociedade. Os dois são perseguidos e encurralados, os seus aderentes são proscritos e submetidos a leis de exceção, uns como inimigos do gênero humano, os outros como inimigos do governo, da religião, da família, da ordem social. E, apesar de todas as perseguições, e mesmo diretamente servidos por elas, um e outro abrem caminho vitoriosamente. Três séculos depois do seu nascimento, o cristianismo é reconhecido como a religião do Estado e do Império romano: em menos de sessenta anos, o socialismo conquistou uma posição tal que o seu triunfo definitivo está absolutamente assegurado.”

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A relação trabalho X capital. Uma visão de 1849.


Em abril de 1849, Marx publica - em separata da Nova Gazeta Renana – texto superdidático sobre a relação “Trabalho Assalariado e Capital”, baseado em anotações de dezembro de 1847. Alguma diferença do modo de produção em vigor durante toda a existência da União Soviética e na China de hoje?

“Suponhamos um operário qualquer, por exemplo, um tecelão. O capitalista fornece-lhe o tear e o fio. O tecelão põe-se ao trabalho e o fio transforma-se em pano. O capitalista apodera-se do pano e vende-o por vinte marcos, por exemplo. Acaso o salário do tecelão é uma quota-parte no pano, nos vinte marcos, no produto do seu trabalho? De modo algum. O tecelão recebeu o salário muito antes de o pano ter sido vendido e talvez muito antes de o ter acabado de tecer. Portanto, o capitalista não paga o salário com o dinheiro que vai receber pelo pano, mas com dinheiro que já tinha de reserva. Assim como o tear e o fio não são produto do tecelão, ao qual foram fornecidos pelo burguês, tão-pouco o são as mercadorias que ele recebe em troca da sua mercadoria, a força de trabalho. Poderá acontecer que o capitalista não consiga encontrar um comprador para o pano. Poderá acontecer que nem sequer reembolse com a venda o salário que pagou. Poderá acontecer que a venda do pano se realize em condições muito vantajosas, relativamente ao salário do tecelão. Nada disto diz respeito ao tecelão. O capitalista compra, com uma parte da fortuna que tem, do seu capital, a força de trabalho do tecelão, exatamente como comprou com outra parte da sua fortuna a matéria-prima — o fio — e o instrumento de trabalho — o tear. Depois de fazer estas compras, e entre as coisas compradas está a força de trabalho necessária para a produção do pano, o capitalista produz agora só com matérias-primas e instrumentos de trabalho que lhe pertencem. E entre estes últimos conta-se naturalmente também o bom do tecelão que participa tão pouco no produto, ou no preço do produto, como o tear.
O salário não é portanto uma quota-parte do operário na mercadoria por ele produzida. O salário é a parte de mercadoria já existente, com que o capitalista compra para si uma determinada quantidade de força de trabalho produtiva.
A força de trabalho é pois uma mercadoria que o seu proprietário, o operário assalariado, vende ao capital. Porque a vende ele? Para viver.”

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Marx amanhã. Parte 3

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A edição de outubro/novembro/2005 do Jornal da Unicamp reuniu o cientista político Armando Boito (Unicamp), o historiador Jorge Grespan (USP), o filósofo Roberto Romano (Unicamp) e o deputado federal Fernando Gabeira para um debate sob o tema “Marx ontem e hoje. E amanhã? “ Selecionei uma pergunta com as respostas dos 4 debatedores.

Pergunta: Em que medida o marxismo dá conta das mudanças nos meios de produção – mercado informal e globalizado, desemprego em massa, oligopólios etc – registradas nas últimas décadas?
Armando Boito – Já discorri um pouco sobre isso quando respondi a primeira e a segunda questão. Gostaria apenas de acrescentar algo.
Vários argumentos que se usam para defender a tese segundo a qual a obra de Marx estaria ultrapassada são argumentos de pessoas que não estudaram a obra que criticam, a começar pelo O Capital. Veja o caso do desemprego em massa. Marx foi criticado, ao longo do período do Estado de bem-estar e de política keynesiana, com base no argumento de que o capitalismo teria resolvido o problema do desemprego e das crises econômicas, tornando superada a lei geral da acumulação capitalista, que Marx desenvolveu no Capítulo 23 do volume I d´O Capital, e tornando caduca também a tese de que as crises são decorrência necessária da própria acumulação capitalista.
Ora, agora que o desemprego voltou com força, seria no mínimo estranho apresentar tal fato como prova da superação da obra de Marx. Convido os leitores do Jornal da Unicamp a lerem o citado capítulo 23 e verificarem se lá temos ou não conceitos e teses que permitem compreender o desemprego em massa dos dias atuais. Algo semelhante se passa com a chamada globalização e o novo capital financeiro. Temos aí novidades que precisam ser estudadas e requerem conceitos novos. Porém, algumas idéias básicas sobre o capital de empréstimo, sua separação da produção, sua potencial dominação sobre o capital produtivo e o fato de ele poder converter-se em capital parasitário, tais idéias, tão imprescindíveis para compreender o capitalismo atual, são desenvolvidas por Marx nos capítulos da quinta seção do Livro III de O Capital.
É muito importante submeter a obra de Marx à crítica, mas o primeiro passo para isso é estudá-la.
Fernando Gabeira – A teoria marxista continua tentando entender o que se passa. Menciona por exemplo Ernest Mandel e mais recentemente Negri. No entanto, há tanta coisa acontecendo, tantas novas explicações sobre a mesa. Não sei porque exigir do marxismo essa ininterrupta capacidade de entender e explicar o real. Talvez seja porque ainda tenhamos um superdimensionamento de suas possibilidades ou porque herdamos dele um certo fechamento em relação a outros horizontes críticos.
Jorge Grespan – Ao contrário! Foi Marx quem descreveu e explicou esses fenômenos pela primeira vez. A sua teoria é justamente pautada pela crítica do capitalismo, e crítica no sentido objetivo em que o sistema não precisa ser julgado subjetiva ou moralmente, já que ele mesmo expõe suas mazelas, como ocorre com as crises econômicas. Marx foi o primeiro a elaborar uma teoria dessas crises que evidenciasse o caráter intrínseco delas no capitalismo, isto é, que superprodução, desemprego, quebradeiras financeiras generalizadas não são acasos, ou meras possibilidades determinadas por “fatores” externos, mas pertencem à própria essência desse sistema social.
Mais ainda, ele foi pioneiro em prever a tendência à oligopolização, numa época em que todos economistas afirmavam dogmaticamente a eternidade da concorrência: fenômeno também contraditório, para Marx a concorrência levaria ao seu oposto, ao monopólio, pela força de concentração que também é inerente ao capital. Por outro lado, e até como forma de solucionar temporariamente esses problemas, o capital exibe uma notável capacidade de se regenerar, modificar padrões e ampliar, criando os mercados mundiais.
Mas em cada uma dessas formas ou desses níveis, a contradição fundante volta a se apresentar, conduzindo o sistema a nova crise, com as seqüelas do desemprego, destruição do próprio capital, concentração de propriedade e renda. Os fenômenos recentes do chamado desemprego estrutural, mercado informal, “globalização” estão todos na órbita do movimento contraditório do capital, consistindo na faceta mais nova daquilo em que Marx acertou em cheio quando, ainda no século XIX, definiu como esta relação social e historicamente específica, fundante da chamada modernidade.
Roberto Romano – Creio que ele “não dá conta” de todos esses problemas difíceis. Como, aliás, ninguém pode se jactar de conhecer todo o universo implicado na pergunta acima. Alguns cenários globais podem ser produzidos para ajudar a intelecção do mundo atual, mas a busca dos elementos empíricos e a sua análise com auxilio de conceitos, definem um processo longo, penoso, que exige trabalho interdisciplinar prudente e aberto ao diálogo.
No mundo inteiro surgem instituições, movimentos e grupos dedicados a pensar o mundo atual. As análises publicadas não trazem muita esperança, mas também não jogam medo absoluto no futuro imediato. Apenas para ficar na questão dos recursos naturais e, nela, o problema das águas. Sem petróleo (algo que motiva os piores conflitos bélicos em nossos dias) é possível a sobrevivência da humanidade, pois energias alternativas existem e podem ser aprimoradas. Mas sem água desaparece a vida humana. Vastas populações estão condenadas à morte certa no mundo. Ensaios de cooperação entre países e movimentos políticos opostos trazem alguma esperança neste setor. Em Israel, técnicos e cientistas palestinos e israelenses trabalham em conjunto para recuperar as fontes hídricas da região. Algo semelhante pode ser feito em todos os continentes. Mas isso exige muito saber técnico e muito diálogo entre partidos, governos, Estados. Note-se que falamos de efetividades econômicas que determinam o destino de coletivos inteiros. E muitos pensadores marxistas ou não marxistas podem ajudar na tarefa de entender e administrar esses desafios.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Marx amanhã. Parte 2

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A edição de outubro/novembro/2005 do Jornal da Unicamp reuniu o cientista político Armando Boito (Unicamp), o historiador Jorge Grespan (USP), o filósofo Roberto Romano (Unicamp) e o deputado federal Fernando Gabeira para um debate sob o tema “Marx ontem e hoje. E amanhã? “ Selecionei alguns trechos. Seguem reflexões de Boito e Grespan.

Armando Boito - A obra de Marx não é apenas inacabada. Ela é uma obra que apresenta contradições internas, teses superadas, umas abandonadas pelo próprio Marx, outras não. Basta recordarmos que a obra de juventude, principalmente aquelas escritas na primeira metade da década de 1840, é abandonada e negada pela obra de maturidade.
Depois de Marx, muitas coisas novas foram descobertas e produzidas nas ciências sociais e na história. A função dos marxistas hoje é considerar todo esse volume de produção, trabalhá-lo criteriosamente, para retificar e desenvolver a obra apenas iniciada por Marx. Eu arriscaria dizer que se passa hoje com o marxismo algo semelhante ao que ocorreu com o darwinismo nas primeiras décadas do século XX. Os darwinistas souberam, apropriando-se das descobertas da genética, criar a teoria sintética da transformação das espécies pela seleção natural, o que é conhecido também com o neodarwinismo. Os marxistas precisam, hoje, de um marxismo renovado, de um neomarxismo, que permita construir o programa socialista do século XXI.
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Jorge Grespan – Depois de mais de um século de disputas políticas e teóricas bastante acirradas, a teoria de Marx demonstrou ser a mais consistente e a mais fértil para a compreensão das condições do mundo capitalista. Mas a discussão com os que discordam total ou parcialmente dela foi muitas vezes bastante rica para o esclarecimento, o desenvolvimento ou o ‘aggiornamento’ do próprio marxismo.
Como eu disse antes, faz parte da definição do capitalismo mesmo a modificação permanente das formas em que se expressa a sua contradição constitutiva – a relação capital/trabalho assalariado. E com a modificação das formas reais é evidente que os temas de análise e da pauta política vão também se modificando. Seria uma traição ao sentido profundo do marxismo se alguém acreditasse que Marx já pensou tudo o que havia de importante para ser pensado, que a tarefa atual é apenas de aplicar suas idéias, que as novas questões são secundárias etc...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Marx amanhã. Parte 1

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A edição de outubro/novembro/2005 do Jornal da Unicamp reuniu o cientista político Armando Boito (Unicamp), o historiador Jorge Grespan (USP), o filósofo Roberto Romano (Unicamp) e o deputado federal Fernando Gabeira para um debate sob o tema “Marx ontem e hoje. E amanhã? “ Selecionei alguns trechos. Pra começar algumas reflexões de Armando Boito.

“Jornal da Unicamp – Não faltam os que afirmam que, finda a experiência marxista da antiga URSS, derrubado o muro de Berlim e instalada a economia de mercado na China, o marxismo enquanto utopia se esgotou no século XX. O que o sr. pensa disso?
Armando Boito – A pergunta resume com muita propriedade uma percepção corrente sobre a experiência revolucionária do século XX e aquilo que seria o fracasso do marxismo. Porém, se nos pusermos a refletir sobre os termos da questão, descobriremos inúmeros problemas.
Muito antes da crise e desintegração da economia e do Estado soviéticos, inúmeros autores marxistas já criticavam aquela experiência, apontando que o rumo da antiga URSS não era compatível com o marxismo. Lembraria apenas dois grandes autores que desenvolveram, cada um a seu modo, essa crítica: Paul Sweezy e Charles Bettelheim. De minha parte, considero que a Revolução Russa e Chinesa foram uma extensão, para a Ásia, das revoluções burguesas iniciadas no século XVII na Europa.
Outra idéia problemática presente na pergunta é a de que o marxismo seria uma utopia. Marx e Engels não eram utópicos. Eles foram críticos da utopia. O socialismo era concebido por eles como uma possibilidade proveniente do próprio desenvolvimento do capitalismo, especialmente do desenvolvimento e da socialização das forças produtivas. O capitalismo, ao mesmo tempo em que desenvolve e socializa as forças produtivas, mantém o quadro estreito da propriedade privada dos meios de produção, gerando a anarquia na produção e bloqueando o aproveitamento de todo o potencial científico e tecnológico que ele próprio enseja.
Hoje, com o desenvolvimento da informática e da micro-eletrônica, da produção e consumo em escala planetária, da interdependência estreita entre os diferentes setores da economia e entre as diferentes regiões do globo, o socialismo, concebido como apropriação e gestão socializada dos meios de produção, é uma possibilidade muito mais próxima de nós do que fora daqueles que viveram no século XIX. Aliás, esse tema será objeto de análise e discussão de um grupo de trabalho no IV Colóquio Internacional Marx e Engels.
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Armando Boito – Pelo que já disse antes, acho que ficou claro que não considero que a experiência revolucionária do século XX tenha sido uma experiência socialista. Foram revoluções que tinham marxistas e socialistas no seu grupo dirigente originário, que chegaram a experimentar, de modo fugaz, formas socialistas de organização da política e da economia, mas que tomaram, no essencial, o rumo de uma revolução burguesa de novo tipo, cuja função histórica foi desenvolver o capitalismo (também de novo tipo) na periferia até então pré-capitalista do globo. Essas revoluções levaram o sistema de trabalho assalariado, o maquinismo, o Estado nacional, a cidadania e os direitos sociais para a Ásia semi-feudal, autocrática e colonizada.
 Os dirigentes mais lúcidos dessas experiências, como Mao Tse-tung e Lênin, nunca ignoraram que as revoluções que dirigiam estavam realizando tarefas burguesas. O que ocorre é que eles concebiam a possibilidade de que após a realização dessas tarefas, essas revoluções poderiam passar para uma fase nova, de caráter socialista, e foi isso justamente que nunca ocorreu. Não debitem, portanto, o burocratismo, a ausência de liberdade de organização para os trabalhadores e a repressão injustificada – falo injustificada de um ponto de vista socialista – que muitas vezes ocorreu nesses países ao marxismo e ao socialismo.
Alerto, de passagem, que tampouco seria correto satanizar essas revoluções burguesas de novo tipo. As revoluções, regra geral, são mesmo episódios violentos e, ademais, a China, a Rússia, Cuba, todos esses países, estão infinitamente melhor hoje em dia. Sob os regimes pré-revolucionários, esses países não tinham democracia, independência nacional, bem-estar social e nenhuma dignidade.
Quanto à questão da democracia, o que eu posso dizer é que o socialismo exige democracia, mas não a democracia parlamentar, comandada pela burocracia do Estado capitalista, e corrompida pelo poder do dinheiro. A democracia da qual o socialismo necessita é uma democracia de novo tipo que integre, de modo efetivo, sistemático e com direito à divergência e discussão, os trabalhadores, seus partidos e suas organizações de massa no processo de definição das grandes decisões políticas, econômicas e culturais.

domingo, 15 de janeiro de 2012

As 4 conquistas permanentes do marxismo.

No dia de seu 94º aniversário – 9 de junho de 2011 – Eric Hobsbwam concede entrevista ao blog Beppe Grillo, a propósito do lançamento da versão italiana de seu último livro (How to Change the World - Why rediscover the inheritance of Marxism). Na entrevista, Hobsbawm fala da ascensão da direita na Europa ( faz previsão – confirmada – da derrota da esquerda na Espanha) e apresenta as quatro conquistas permanentes do marxismo. Destaca como a mais relevante, a análise de como o modo capitalista de produção operou e de seu desenvolvimento. Enfatiza o “descontínuo modo através do qual o sistema cresceu e desenvolveu contradições, que por sua vez produziram grandes crises”. E conclui apresentando uma conquista que “Marx talvez não reconhecesse – mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia”.

“........ no momento, o marxismo deixou de ser o principal sistema de crenças associado aos grandes movimentos políticos de massa em toda a Europa. Apesar disso, acho que sobrevivem alguns pequenos movimentos marxistas. Nesse sentido, houve uma grande mudança no papel político que o marxismo desempenha na política da Europa. Há algumas partes do mundo, por exemplo, a América Latina, em que as coisas não se passaram do mesmo modo. A consequência daquela mudança, na minha opinião, é que agora todos podemos concentrar-nos mais e melhor nas mudanças permanentes que o marxismo provocou, nas conquistas permanentes do marxismo. 
Essas conquistas permanentes, na minha opinião, são as seguintes:
Primeiro, Marx introduziu algo que foi considerado novidade e ainda não se realizou completamente, a saber, a crença de que o sistema econômico que conhecemos não é permanente nem destinado a durar eternamente; que é apenas uma fase, uma etapa no desenvolvimento histórico que acontece de um determinado modo e deixará de existir e converter-se-á noutra coisa ao longo do tempo. 
Segundo, acho que Marx concentrou-se na análise do específico modus operandi, do modo como o sistema operou e se desenvolveu. Em particular, concentrou-se no curioso e descontinuo modo através do qual o sistema cresceu e desenvolveu contradições, que por sua vez produziram grandes crises.
A principal vantagem da análise que o marxismo permite fazer é que considera o capitalismo como um sistema que origina periodicamente contradições internas que geram crises de diferentes tipos que, por sua vez, têm de ser superadas mediante uma transformação básica ou alguma modificação menor do sistema. Trata-se desta descontinuidade, desta assunção de que o capitalismo opera não como sistema que tende a se auto-estabilizar, mas que é sempre instável e eventualmente, portanto, exige grandes mudanças. Esse é o principal elemento que ainda sobrevive do marxismo. 
Terceiro, e acho que aí está a preciosidade do que se poderá chamar de fenômeno ideológico, o marxismo é baseado, para muitos marxistas, num senso profundo de injustiça social, de indignação contra a desigualdade social entre os pobres e os ricos e poderosos. 
Quarto, e último, acho que talvez se deva considerar um elemento – que Marx talvez não reconhecesse – mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia. A crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente. 
Íntegra da entrevista no blog lisboeta:
http://www.esquerda.net/artigo/marxismo-hoje-entrevista-eric-hobsbawm

sábado, 14 de janeiro de 2012

Marx, "cachorro morto" ?

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Em agosto de 2005, o professor de filosofia da Universidade Federal de Alagoas Ivo Tonet (http://www.ivotonet.xpg.com.br/) publica na Revista Espaço Acadêmico um estimulante artigo – “Marxismo para o século 21” – onde afirma ( não concordo com a tese) que a maioria dos intelectuais considera Marx um “cachorro morto”.  A interação dialética do enterro sem pompas da União Soviética, liberando os medos do avanço comunista, com as crises mundiais deste alvorecer do século 21 está fazendo renascer o velho Karl. Selecionei alguns trechos. Para acessar a íntegra :
http://www.espacoacademico.com.br/051/51tonet.htm

“ Para a maioria dos intelectuais, Marx não passa, hoje, de um “cachorro morto”. Não por acaso, esses intelectuais abriram mão de qualquer perspectiva revolucionária em relação à ordem atual, se alguma vez acreditaram nela.
Contudo, para aqueles que julgam que é impossível resolver, no interior do capitalismo, os graves problemas que a humanidade enfrenta, a reconstrução da teoria revolucionária é uma das tarefas mais importantes neste momento. E, no interior dela, o resgate do pensamento marxiano ocupa um lugar centralíssimo. Ambas as tarefas têm uma enorme urgência e importância, dado o extravio e a confusão em que se vê enredada a luta anti-capitalista na atualidade.
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Defendemos a idéia – aparentemente absurda diante da situação em que se encontra o marxismo hoje – de que Marx realizou uma revolução teórica similar, mutatis mutandis, àquela realizada pelos pensadores modernos dos séculos XVII e XVIII; de que Marx lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de mundo e de que, por isso, ele representa o patamar de conhecimento mais elevado que a humanidade produziu até hoje. Fundamentos esses que não têm sua validade limitada a determinado campo específico, mas que permitem abordar qualquer fenômeno social com possibilidades superiores a quaisquer outros instrumentos teóricos.
Para que não pairem dúvidas acerca do sentido de uma afirmação tão contundente e ousada – especialmente em um momento em que tudo parece demonstrar o contrário – esclarecemos que ela se refere apenas aos fundamentos e de modo nenhum ao que Marx realizou a partir deles. Quanto ele mesmo realizou em termos de conhecimento da realidade social, quais os seus acertos e erros, o que tem ou não validade para a análise do mundo de hoje, são questões importantes, mas de outro tipo. Também queremos deixar claro que não se trata de diminuir ou menosprezar as contribuições – muitas vezes enormes – de outros autores. O próprio Marx tinha consciência de que ele só pode fazer o que fez porque subiu nos ombros de outros gigantes. O sentido preciso de nossa afirmação é este: Marx lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de fazer ciência e filosofia e, portanto, de compreender o mundo. Isto quer dizer que o fundamento da luta revolucionária está primeiramente na ontologia (natureza do ser social) e só depois na política e na ética.

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À guisa de conclusão
Apreender a realidade social como algo que é integralmente resultado da atividade social dos próprios homens, ainda quando se lhes opõe como um poder hostil (alienação); compreendê-la como uma totalidade de partes, articuladas, em processo, cuja matriz fundante é o trabalho; nunca perder de vista que qualquer fenômeno social é sempre o resultado da interação entre subjetividade e objetividade; ao fazer ciência, partir dos dados imediatos, mas dissolvê-los, buscando a lógica mais profunda da qual eles são uma manifestação e, com isso, fazer emergir a possibilidade de superação de sua forma atual. É isto que caracteriza o novo patamar filosófico-científico instaurado por Marx. E é esta forma de fazer ciência e filosofia que deve ser resgatada se se quer um instrumento teórico adequado às enormes tarefas que a classe trabalhadora tem pela frente com o objetivo de superar o capitalismo e construir uma autêntica comunidade humana.
Sem deixar de reconhecer os grandes ganhos obtidos pela cientificidade moderna, especialmente no âmbito da ciência da natureza, mas também na ciência do social, é preciso deixar bem clara a diferença entre estes dois patamares e a superioridade da perspectiva marxiana – quando ontologicamente configurada – sobre a perspectiva moderna. Por esse motivo, reafirmamos a nossa idéia central: se o objetivo é obter um conhecimento da realidade social capaz de orientar a sua transformação radical, então, após Marx, não é mais possível fazer filosofia e ciência do mesmo modo como se fazia antes dele e como se continua fazendo na trilha aberta pela perspectiva moderna.”

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Marx, "correspondente de guerra".


Denis Collin em seu “Compreender Marx” abre espaço para comentar a grande obra do parceiro de Hegel, O Capital. Collin ousa afirmar que trata-se de uma obra filosófica e embora seu subtítulo seja “Critica da economia política” é um tratado de economia política. Logo no primeiro parágrafo, qualifica Marx “como correspondente de guerra na guerra das classes”.

“ Aparentemente, seu assunto é o mesmo de A riqueza das nações de Adam Smith ou dos Princípios da economia política e do imposto de David Ricardo. No entanto, os críticos da época não se enganam: censuram-no por ser demasiado metafísico, demasiado filosófico, de dar lugar demais à dialética hegeliana. O Capital será censurado também por ser tendencioso : de fato, Marx escreve muitas vezes como correspondente de guerra na guerra das classes. A análise objetiva, neutra do ponto de vista axiológico, está regularmente coberta pelo pathos moral, pela indignação do militante.”

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

1648 e 1789. Vitórias "seculares".


Em dezembro de 1848, Marx publica, na “Nova Gazeta Renana”, um segundo artigo sobre “A burguesia e a contra-revolução” e inicia o texto fazendo uma análise sobre o caráter universal ( ele chama de “estilo europeu”) das revoluções de 1648 e 1789.

“As revoluções de 1648 e de 1789 de modo algum foram revoluções inglesas ou francesas, foram revoluções de estilo europeu. Não foram a vitória de uma classe determinada da sociedade sobre a velha ordem política; foram a proclamação da ordem política para a nova sociedade europeia. Nelas, a burguesia venceu; mas a vitória da burguesia foi então a vitória de uma nova ordem social, a vitória da propriedade burguesa sobre a feudal, da nacionalidade sobre o provincianismo, da concorrência sobre a corporação, da divisão [da propriedade] sobre o morgadio, da dominação do proprietário da terra sobre o domínio do proprietário pela terra, das luzes sobre a superstição, da família sobre o nome de família, da indústria sobre a preguiça heróica, do direito burguês sobre os privilégios medievais. A revolução de 1648 foi a vitória do século XVII sobre o século XVI, a revolução de 1789 a vitória do século XVIII sobre o século XVII. Estas revoluções exprimem mais ainda as necessidades do mundo de então do que das regiões do mundo em que se deram, a Inglaterra e a França.”

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Socialismos de Marx e Schumpeter - atos de fé ?


Em outubro de 1991, Jean-Jacques Salomon  - diretor do Centro de Ciência, Tecnologia e Sociedade do Conservatoire National des Arts et Metier de Paris – em palestra sobre “Políticas Públicas, Tecnologia e Desenvolvimento”, coloca Marx e Schumpeter na mesma sacola, ao profetizarem a substituição do capitalismo pelo socialismo. Segue o texto inicial da conferência, com tradução de Belkiss Jasinevicius Rabello e revisão de Alfredo Bosi

“O afinco com que Marx e Schumpeter, por razoes muito diferentes, anunciaram o desaparecimento do capitalismo em beneficio do socialismo é um perfeito exemplo de como a análise científica pode se transformar em ato de fé. No caso de Marx é absurdo, afinal de contas, espantar-se; e Schumpeter não se absteve de salientá-lo: dentre todos os papéis que Marx desempenhou — historiador, sociólogo, economista ou filósofo — foi seguramente o de profeta que mais atraiu fiéis. Sua mensagem, diz Schumpeter, é a de uma religião que promete o Paraíso na Terra:" A seus fiéis, oferece, em primeiro lugar, um sistema de fins últimos que dão um sentido à vida e que constituem padrões absolutos de referência para avaliar os acontecimentos e as ações; ademais, em segundo lugar, para alcançar tais fins, o marxismo oferece um guia que implica um plano de salvação e a revelação do mal do qual deve ser libertada a humanidade ou um segmento eleito da humanidade.”

domingo, 8 de janeiro de 2012

A proximidade de Marx e Friedman.

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Denis Collin, em seu “Compreender Marx”, entra em algumas polêmicas sobre a natureza da moeda  e faz uma afirmativa ousada: “ Veremos sem dúvida alguns paradoxos curiosos, Marx está certamente muito mais próximo do monetarismo de um Milton Friedman que dos keynesianos de esquerda”.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Marx. Um economista clássico. Parte 1

Um interessante texto da professora Elivan Rosas Ribeiro, classifica Marx como um economista clássico, ao lado de Ricardo, Say, Malthus e Mill. Embora destaque que o velho Karl “não somente ataca a burguesia como incita os trabalhadores à luta, tanto a nível reivindicativo sindical, corno a nível político, pela tomada do poder”, a professora ressalta que “vistas as coisas apenas pela sua teoria econômica, Marx permaneceu nos marcos da corrente clássica.” Selecionei um trecho estimulante.
“Se é legítimo isolar a obra econômica de Marx de suas obras  e política, neste caso pode-­se afirmar que Marx, enquanto economista foi um clássico, produzìndo a melhor síntese desta corrente de pensamento econômico.
Em primeiro lugar ressalte-se o período temporal do essencial da obra dos autores que se convencionou agrupar sob a designação de Escola Clássica. Adam Smith (1723­/1790); Jean Baptiste Say (1767­/1832); Thomas Robert Malthus (1766/­1834); David Ricardo (1772­/1823); John Stuart Mill (1806/1873). Marx viveu entre 1818 e 1883.
Este período coincide com o desenvolvimento do mercado e a desagregação da economia feudal e inclui a revolução industrial . Neste contexto ganha terreno uma nova classe burguesa, que procura ter uma participação política compatível com a sua importância econômica, e o seu antípoda, a classe operária. Um conjunto de novos filósofos, modernos, interpreta o mundo à luz da nova tendência, que é a tendência para a liberdade individual nascida em contraposição às regras que vigoravam no feudalismo. Os clássicos da economia, defendem uma nova ordem econômica baseada na centralidade dos seus principais protagonistas. As forças do trabalho estão na primeira linha de preocupação de autores como Smith, Ricardo, Malthus, Mill. É neste caldo que se desenvolve também, a idéia da democracia burguesa, já anteriormente presente no pensamento iluminista .
Face à filosofia e à política, parece clara a ruptura entre o pensamento de Marx e o dos clássicos. Ele não defende, ao contrario acusa o regime burguês pela miséria crescente da classe operária inglesa e por todas as mazelas sociais da época subsequente à da revolução industrial.
Marx não somente ataca a burguesia como incita os trabalhadores à luta, tanto a nível reivindicativo sindical, corno a nível político, pela tomada do poder. Entretanto, vistas as coisas apenas pela sua teoria econômica, Marx permaneceu nos marcos da corrente clássica, resguardando os seus principais pressupostos, tais como, uma abordagem macroeconômica; uma teoria do valor associado ao trabalho; explicação do todo econômico a partir da esfera da produção; a visão da acumulação e da repartição como uma decorrência de ajustamentos de oferta e demanda; a tentativa de encontrar uma explicação para as situações de desequilíbrios próprios ao sistema.”

Marx, um economista clássico. Parte 2


George Magnus não está isolado em sua admiração pelo velho Karl entre os mais destacados economistas consultores de grandes grupos econômicos. Walter Molano, da BCB Securities, considera Marx um dos grandes economistas clássicos, e teve enormes contribuições para o desenvolvimento das ciências sociais”. Segundo Molano, “Marx estabeleceu uma teoria do trabalho que lhe permitiu explicar a determinação dos salários, assim como a segmentação da sociedade em três classes – o proletariado e à burguesia, nos extremos, e à pequena burguesia, ou classe média, como grupo intermediário.”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Marx ressuscitado por George Magnus.

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Em agosto de 2011, George Magnus – consultor sênior da União de Bancos Suíços (UBS) – publica artigo no site da Bloomberg com o titulo “Give Marx a chance to save de world economy”. Segue um pequeno trecho.

“Como dizia Marx em O Capital: a razão última de todas as crises reais ainda é a pobreza e o consumo restrito das massas.
Como enfrentar esta crise? Para colocar o espírito de Marx em ação, os dirigentes políticos devem ter como prioridade a criação de postos de trabalho, e considerar outras medidas pouco ortodoxas. A crise não é temporária, e certamente não vai se curar pela paixão ideológica dos governos pela austeridade.”
Magnus é autor de uma frase surrealista sobre Marx: “o velho era um analista bastante sagaz”.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Marx. O retorno em 5 frases.

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1. George Soros: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”. Eric Hobsbawn, em “Como mudar o mundo” –

2. Nouriel Roubini : “Karl Marx tinha razão. Em algum momento, o capitalismo pode se auto-destruir. Você não pode continuar a mudar os rendimentos do trabalho para o capital, sem ter um excesso de capacidade e falta de demanda agregada.

3. Norberto Bobbio: “A cada crise o marxismo renasceu e renovou-se, cortando ramos secos e enxertando outros novos.”

4. Delfim Netto: “Karl Marx foi seguramente um dos maiores pensadores do século XIX e hoje suas ideias estão totalmente absorvidas. O que o marxismo tinha de bom, de mais importante, é parte integrante da cultura universal, da mesma forma que Hegel, Kant, Einstein foram absorvidos.”

5. Eric Hobsbawn: “Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.”

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Grundrisse. O Capital é um sistema totalizante.


Em entrevista para a IHU on line, da Unisinos, o Professor da Unicamp Ricardo Antunes destaca a ampla concepção da produção revelada por Marx nos Grundrisse, com a presença de alienações, fetichizações e estranhamentos tanto na produção quanto no consumo. Uma oportunidade para refletir sobre a onipresença da fetichização nos rituais do marketing, disciplina-símbolo da etapa superior do capitalismo, na revolução pós-industrial.

“O que os Grundrisse têm de inspirador é o seguinte: a primeira pista importante é a conhecida introdução escrita em 1857, onde Marx fala do processo de produção do capital e esse processo enfeixa um movimento que passa da produção ao consumo, tendo a distribuição, a circulação ou a troca como elementos de mediação. Isso é muito importante, porque a concepção de produção para Marx é ampla. A constatação que ele faz nesse capítulo é de que não há produção sem consumo, nem consumo sem produção, ou seja, o processo de constituição do capital, ao mesmo tempo em que gera o mais valor, gera o processo de criação do trabalho excedente. Mas a geração do mais valor na produção só tem a sua efetivação finalizada na esfera do consumo. De tal modo que o capital é um sistema totalizante que abarca um amplo leque em que, por exemplo, podemos ver as alienações, as fetichizações e os estranhamentos na esfera da produção e as alienações, os estranhamentos e as fetichizações também na esfera do consumo. E uma não é separada da outra. São momentos distintos de um mesmo processo.”