quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Marx amanhã. Parte 3

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A edição de outubro/novembro/2005 do Jornal da Unicamp reuniu o cientista político Armando Boito (Unicamp), o historiador Jorge Grespan (USP), o filósofo Roberto Romano (Unicamp) e o deputado federal Fernando Gabeira para um debate sob o tema “Marx ontem e hoje. E amanhã? “ Selecionei uma pergunta com as respostas dos 4 debatedores.

Pergunta: Em que medida o marxismo dá conta das mudanças nos meios de produção – mercado informal e globalizado, desemprego em massa, oligopólios etc – registradas nas últimas décadas?
Armando Boito – Já discorri um pouco sobre isso quando respondi a primeira e a segunda questão. Gostaria apenas de acrescentar algo.
Vários argumentos que se usam para defender a tese segundo a qual a obra de Marx estaria ultrapassada são argumentos de pessoas que não estudaram a obra que criticam, a começar pelo O Capital. Veja o caso do desemprego em massa. Marx foi criticado, ao longo do período do Estado de bem-estar e de política keynesiana, com base no argumento de que o capitalismo teria resolvido o problema do desemprego e das crises econômicas, tornando superada a lei geral da acumulação capitalista, que Marx desenvolveu no Capítulo 23 do volume I d´O Capital, e tornando caduca também a tese de que as crises são decorrência necessária da própria acumulação capitalista.
Ora, agora que o desemprego voltou com força, seria no mínimo estranho apresentar tal fato como prova da superação da obra de Marx. Convido os leitores do Jornal da Unicamp a lerem o citado capítulo 23 e verificarem se lá temos ou não conceitos e teses que permitem compreender o desemprego em massa dos dias atuais. Algo semelhante se passa com a chamada globalização e o novo capital financeiro. Temos aí novidades que precisam ser estudadas e requerem conceitos novos. Porém, algumas idéias básicas sobre o capital de empréstimo, sua separação da produção, sua potencial dominação sobre o capital produtivo e o fato de ele poder converter-se em capital parasitário, tais idéias, tão imprescindíveis para compreender o capitalismo atual, são desenvolvidas por Marx nos capítulos da quinta seção do Livro III de O Capital.
É muito importante submeter a obra de Marx à crítica, mas o primeiro passo para isso é estudá-la.
Fernando Gabeira – A teoria marxista continua tentando entender o que se passa. Menciona por exemplo Ernest Mandel e mais recentemente Negri. No entanto, há tanta coisa acontecendo, tantas novas explicações sobre a mesa. Não sei porque exigir do marxismo essa ininterrupta capacidade de entender e explicar o real. Talvez seja porque ainda tenhamos um superdimensionamento de suas possibilidades ou porque herdamos dele um certo fechamento em relação a outros horizontes críticos.
Jorge Grespan – Ao contrário! Foi Marx quem descreveu e explicou esses fenômenos pela primeira vez. A sua teoria é justamente pautada pela crítica do capitalismo, e crítica no sentido objetivo em que o sistema não precisa ser julgado subjetiva ou moralmente, já que ele mesmo expõe suas mazelas, como ocorre com as crises econômicas. Marx foi o primeiro a elaborar uma teoria dessas crises que evidenciasse o caráter intrínseco delas no capitalismo, isto é, que superprodução, desemprego, quebradeiras financeiras generalizadas não são acasos, ou meras possibilidades determinadas por “fatores” externos, mas pertencem à própria essência desse sistema social.
Mais ainda, ele foi pioneiro em prever a tendência à oligopolização, numa época em que todos economistas afirmavam dogmaticamente a eternidade da concorrência: fenômeno também contraditório, para Marx a concorrência levaria ao seu oposto, ao monopólio, pela força de concentração que também é inerente ao capital. Por outro lado, e até como forma de solucionar temporariamente esses problemas, o capital exibe uma notável capacidade de se regenerar, modificar padrões e ampliar, criando os mercados mundiais.
Mas em cada uma dessas formas ou desses níveis, a contradição fundante volta a se apresentar, conduzindo o sistema a nova crise, com as seqüelas do desemprego, destruição do próprio capital, concentração de propriedade e renda. Os fenômenos recentes do chamado desemprego estrutural, mercado informal, “globalização” estão todos na órbita do movimento contraditório do capital, consistindo na faceta mais nova daquilo em que Marx acertou em cheio quando, ainda no século XIX, definiu como esta relação social e historicamente específica, fundante da chamada modernidade.
Roberto Romano – Creio que ele “não dá conta” de todos esses problemas difíceis. Como, aliás, ninguém pode se jactar de conhecer todo o universo implicado na pergunta acima. Alguns cenários globais podem ser produzidos para ajudar a intelecção do mundo atual, mas a busca dos elementos empíricos e a sua análise com auxilio de conceitos, definem um processo longo, penoso, que exige trabalho interdisciplinar prudente e aberto ao diálogo.
No mundo inteiro surgem instituições, movimentos e grupos dedicados a pensar o mundo atual. As análises publicadas não trazem muita esperança, mas também não jogam medo absoluto no futuro imediato. Apenas para ficar na questão dos recursos naturais e, nela, o problema das águas. Sem petróleo (algo que motiva os piores conflitos bélicos em nossos dias) é possível a sobrevivência da humanidade, pois energias alternativas existem e podem ser aprimoradas. Mas sem água desaparece a vida humana. Vastas populações estão condenadas à morte certa no mundo. Ensaios de cooperação entre países e movimentos políticos opostos trazem alguma esperança neste setor. Em Israel, técnicos e cientistas palestinos e israelenses trabalham em conjunto para recuperar as fontes hídricas da região. Algo semelhante pode ser feito em todos os continentes. Mas isso exige muito saber técnico e muito diálogo entre partidos, governos, Estados. Note-se que falamos de efetividades econômicas que determinam o destino de coletivos inteiros. E muitos pensadores marxistas ou não marxistas podem ajudar na tarefa de entender e administrar esses desafios.

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