segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Marx amanhã. Parte 1

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A edição de outubro/novembro/2005 do Jornal da Unicamp reuniu o cientista político Armando Boito (Unicamp), o historiador Jorge Grespan (USP), o filósofo Roberto Romano (Unicamp) e o deputado federal Fernando Gabeira para um debate sob o tema “Marx ontem e hoje. E amanhã? “ Selecionei alguns trechos. Pra começar algumas reflexões de Armando Boito.

“Jornal da Unicamp – Não faltam os que afirmam que, finda a experiência marxista da antiga URSS, derrubado o muro de Berlim e instalada a economia de mercado na China, o marxismo enquanto utopia se esgotou no século XX. O que o sr. pensa disso?
Armando Boito – A pergunta resume com muita propriedade uma percepção corrente sobre a experiência revolucionária do século XX e aquilo que seria o fracasso do marxismo. Porém, se nos pusermos a refletir sobre os termos da questão, descobriremos inúmeros problemas.
Muito antes da crise e desintegração da economia e do Estado soviéticos, inúmeros autores marxistas já criticavam aquela experiência, apontando que o rumo da antiga URSS não era compatível com o marxismo. Lembraria apenas dois grandes autores que desenvolveram, cada um a seu modo, essa crítica: Paul Sweezy e Charles Bettelheim. De minha parte, considero que a Revolução Russa e Chinesa foram uma extensão, para a Ásia, das revoluções burguesas iniciadas no século XVII na Europa.
Outra idéia problemática presente na pergunta é a de que o marxismo seria uma utopia. Marx e Engels não eram utópicos. Eles foram críticos da utopia. O socialismo era concebido por eles como uma possibilidade proveniente do próprio desenvolvimento do capitalismo, especialmente do desenvolvimento e da socialização das forças produtivas. O capitalismo, ao mesmo tempo em que desenvolve e socializa as forças produtivas, mantém o quadro estreito da propriedade privada dos meios de produção, gerando a anarquia na produção e bloqueando o aproveitamento de todo o potencial científico e tecnológico que ele próprio enseja.
Hoje, com o desenvolvimento da informática e da micro-eletrônica, da produção e consumo em escala planetária, da interdependência estreita entre os diferentes setores da economia e entre as diferentes regiões do globo, o socialismo, concebido como apropriação e gestão socializada dos meios de produção, é uma possibilidade muito mais próxima de nós do que fora daqueles que viveram no século XIX. Aliás, esse tema será objeto de análise e discussão de um grupo de trabalho no IV Colóquio Internacional Marx e Engels.
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Armando Boito – Pelo que já disse antes, acho que ficou claro que não considero que a experiência revolucionária do século XX tenha sido uma experiência socialista. Foram revoluções que tinham marxistas e socialistas no seu grupo dirigente originário, que chegaram a experimentar, de modo fugaz, formas socialistas de organização da política e da economia, mas que tomaram, no essencial, o rumo de uma revolução burguesa de novo tipo, cuja função histórica foi desenvolver o capitalismo (também de novo tipo) na periferia até então pré-capitalista do globo. Essas revoluções levaram o sistema de trabalho assalariado, o maquinismo, o Estado nacional, a cidadania e os direitos sociais para a Ásia semi-feudal, autocrática e colonizada.
 Os dirigentes mais lúcidos dessas experiências, como Mao Tse-tung e Lênin, nunca ignoraram que as revoluções que dirigiam estavam realizando tarefas burguesas. O que ocorre é que eles concebiam a possibilidade de que após a realização dessas tarefas, essas revoluções poderiam passar para uma fase nova, de caráter socialista, e foi isso justamente que nunca ocorreu. Não debitem, portanto, o burocratismo, a ausência de liberdade de organização para os trabalhadores e a repressão injustificada – falo injustificada de um ponto de vista socialista – que muitas vezes ocorreu nesses países ao marxismo e ao socialismo.
Alerto, de passagem, que tampouco seria correto satanizar essas revoluções burguesas de novo tipo. As revoluções, regra geral, são mesmo episódios violentos e, ademais, a China, a Rússia, Cuba, todos esses países, estão infinitamente melhor hoje em dia. Sob os regimes pré-revolucionários, esses países não tinham democracia, independência nacional, bem-estar social e nenhuma dignidade.
Quanto à questão da democracia, o que eu posso dizer é que o socialismo exige democracia, mas não a democracia parlamentar, comandada pela burocracia do Estado capitalista, e corrompida pelo poder do dinheiro. A democracia da qual o socialismo necessita é uma democracia de novo tipo que integre, de modo efetivo, sistemático e com direito à divergência e discussão, os trabalhadores, seus partidos e suas organizações de massa no processo de definição das grandes decisões políticas, econômicas e culturais.

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