segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Cristianismo primitivo e socialismo.


Um dos últimos textos produzidos por Engels – 1895, ano de sua morte – “Contribuição para a história do cristianismo primitivo” traça paralelos entre o desenvolvimento do cristianismo e o socialismo. Segue o parágrafo de abertura.
“A história do cristianismo primitivo oferece curiosos pontos de contato com o movimento operário moderno. Como este, o cristianismo era, na origem, o movimento dos oprimidos: apareceu primeiro como a religião dos escravos e dos libertos, dos pobres e dos homens privados de direitos, dos povos subjugados ou dispersos por Roma. Os dois, o cristianismo como o socialismo operário, pregam uma libertação próxima da servidão e da miséria; o cristianismo transpõe essa libertação para o Além, numa vida depois da morte, no céu; o socialismo coloca-a no mundo, numa transformação da sociedade. Os dois são perseguidos e encurralados, os seus aderentes são proscritos e submetidos a leis de exceção, uns como inimigos do gênero humano, os outros como inimigos do governo, da religião, da família, da ordem social. E, apesar de todas as perseguições, e mesmo diretamente servidos por elas, um e outro abrem caminho vitoriosamente. Três séculos depois do seu nascimento, o cristianismo é reconhecido como a religião do Estado e do Império romano: em menos de sessenta anos, o socialismo conquistou uma posição tal que o seu triunfo definitivo está absolutamente assegurado.”

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O posfácio da 2ª edição alemã do Capital.


Em 1873, Marx escreve o posfácio da 2ª edição alemã do primeiro volume de O Capital e faz uma avaliação de seus críticos.

“O senhor M. Block — Les théoriciens du socialisme en Allemagne. Extrait du Journal des Economistes, juillet et août 1872 — descobre que o meu método é analítico e diz, entre outras coisas:
«Par cet ouvrage, M. Marx se classe parmi les esprits analytiques les plus éminents.»(4*
Os autores de recensões alemães, naturalmente, gritam que é sofística de Hegel. O Mensageiro da Europa, de Petersburgo, num artigo que trata exclusivamente do método do Kapital (número de Maio de 1872, pp. 427-436), acha o meu método de pesquisa rigorosamente realista, mas o meu método de exposição infelizmente germano-dialético. Diz ele:
«À primeira vista, a julgar pela forma exterior da exposição, Marx é um grande filósofo idealista e, precisamente, no sentido "alemão", isto é, o mau desta palavra. De fato, porém, ele é infinitamente mais realista do que todos os seus antecessores em matéria de crítica econômica... De maneira nenhuma se pode já considerá-lo um idealista.»
Não posso responder melhor ao senhor autor do que através de alguns extratos da sua própria crítica, que, além disso, poderão interessar a muitos dos meus leitores para quem o original russo é inacessível.
Depois de uma citação do meu prefácio a Kritik der Pol. Oek , Berlin, 1859, pp. IV-VII, onde debati a base materialista do meu método, o autor prossegue:
«Para Marx só uma coisa é importante: encontrar a lei dos fenômenos, de cuja investigação ele se ocupa. E, para ele, é importante não uma lei que os rege enquanto eles têm uma certa forma e enquanto se encontram na conexão que é observada num dado período de tempo. Para ele, é ainda acima de tudo importante a lei da sua mutabilidade, do seu desenvolvimento, isto é, da passagem de uma forma à outra, de uma ordem de conexões à outra. Uma vez que descobriu esta lei, encara mais em pormenor as consequências nas quais a lei se manifesta na vida social... De acordo com isto, Marx preocupa-se com uma só coisa: demonstrar, através de uma investigação científica precisa, a necessidade de determinadas ordens das relações sociais e por constatar, tão irrepreensivelmente quanto possível, os fatos que lhe servem de pontos de partida e de apoio. Para isso é perfeitamente suficiente que ele, tendo demonstrado a necessidade da ordem atual, demonstre também a necessidade de uma outra ordem, para a qual tem inevitavelmente de ser feita uma passagem a partir da primeira, sendo totalmente indiferente que se acredite ou não nisso, se esteja consciente ou não disso. Marx encara o movimento social como um processo histórico-natural, dirigido por leis que não só não se encontram dependentes da vontade, da consciência e da intenção do homem, como determinam elas próprias a sua vontade, consciência e intenções... Se o elemento consciente na história da cultura desempenha um papel tão subordinado, é compreensível então que a crítica, cujo objeto é a própria cultura, tanto menos possa ter por fundamento qualquer forma ou qualquer resultado da consciência. Isto é, não é a ideia mas apenas o fenômeno exterior que lhe pode servir de ponto de partida. A crítica limitar-se-á à comparação e confronto de um fato, não com a ideia mas com outro fato. Para ela apenas é importante que ambos os fatos sejam estudados o mais precisamente possível e realmente constituam diferentes graus de desenvolvimento; mas acima de tudo é importante que não menos precisamente seja estudada a ordem, a sequência e ligação em que se manifestam estes graus de desenvolvimento [...] A outro leitor pode aqui ocorrer a seguinte questão [...] as leis gerais da vida econômica não são as mesmas, sendo indiferente que se apliquem à vida presente ou à passada? Mas precisamente isto Marx não o admite. Para ele tais leis gerais não existem... Em sua opinião, pelo contrário, cada grande período histórico possui as suas próprias leis... Mas assim que a vida ultrapassou um dado período de desenvolvimento, saiu de um dado estádio e entrou noutro, começa também a ser guiada por outras leis. Numa palavra, a vida econômica oferece-nos neste caso um fenômeno perfeitamente análogo àquilo que observamos noutras classes dos fenômenos biológicos... Os velhos economistas não compreendiam a natureza das leis econômicas, ao considerá-las do mesmo tipo das leis da física e química... Uma análise mais profunda dos fenômenos mostrou que os organismos sociais diferem uns dos outros não menos profundamente do que os organismos botânicos e zoológicos... Um mesmo fenômeno, em consequência da diferença de estrutura destes organismos, da diversidade dos seus órgãos, das diferenças de condições em que os órgãos têm de funcionar, etc, está subordinado a leis perfeitamente diferentes. Marx nega-se, por exemplo a admitir que a lei do aumento da população seja a mesma sempre e em toda a parte, para todos os tempos e para todos os lugares. Afirma, pelo contrário, que cada grau de desenvolvimento tem a sua própria lei da reprodução... Dependendo das diferenças do nível de desenvolvimento das forças produtivas, alteram-se as relações e as leis que as regulam. Ao colocar-se, assim, a si próprio o objetivo de investigar e explicar a ordem capitalista da economia, Marx apenas formulou de um modo rigorosamente científico o objetivo que toda a investigação precisa da vida econômica tem de ter... O seu valor científico reside no esclarecimento das leis particulares a que estão submetidos o surgimento, existência, desenvolvimento e morte de um dado organismo social e a sua substituição por um outro, superior. E o livro de Marx tem de fato este valor.»
O senhor autor, ao descrever tão acertadamente aquilo a que chama o meu método real e tão benevolentemente o que à minha aplicação pessoal dele concerne, que outra coisa descreveu ele senão o método dialético?”



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Marx. Um aperfeiçoamento de Smith-Ricardo?


Em 1873, Marx escreve o posfácio da 2ª edição alemã do primeiro volume de O Capital e faz uma simpática referência ao economista russo Nikolai Sieber (1844-1888), um dos divulgadores de sua obra na Rússia:
“Na Primavera de 1872, apareceu em Petersburgo uma excelente tradução russa do Kapital. A edição, de 3000 exemplares, está agora já quase esgotada. Já em 1871, o senhor N. Sieber, professor de economia política na Universidade de Kíev, no seu escrito: "Teopiя чжнноcти и кaIIитaдa Д. Pикaрдo" (Teoria do Valor e do Capital de D. Ricardo, etc), tinha demonstrado que a minha teoria do valor, do dinheiro e do capital, nos seus traços fundamentais, era um aperfeiçoamento necessário da doutrina de Smith-Ricardo. O que surpreende o europeu ocidental na leitura do seu sólido livro é a manutenção consequente do ponto de vista puramente teórico.
O método empregue no Kapital foi pouco entendido, como já o demonstram as interpretações dele entre si contraditórias.
Assim, a Revue Positiviste , de Paris, censura-me, por um lado, porque trato a economia metafisicamente e, por outro lado — imagine-se! —, porque me limito a uma dissecação meramente crítica do dado, em vez de prescrever receitas  (contianas?) para as casas de pasto do futuro. Contra a censura de metafísica, observa o Prof. Sieber:
«Na medida em que se trata propriamente da teoria, o método de Marx é o método dedutivo de toda a escola inglesa, os seus defeitos tal como as qualidades são partilhadas pelos melhores economistas teóricos.»

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Fetichismo na economia marxista:um comentário.


O Prof. Valdemir Pires coordenador do Curso de Economia da Universidade Metodista de Piracicaba-UNIMEP publica na revista Impulse comentário didático, com base na visão de Izaak Rubin, sobre o papel do fetichismo no pensamento de Marx. Íntegra em www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf /imp22 _23art09 .pdf
Transcrevo, a seguir, a conclusão, na parte final do artigo.

“A teoria do fetichismo foi a descoberta que conduziu Marx para além dos postulados da Economia Política clássica, pois esta última (especialmente pelas mãos de Ricardo), tomando a forma como a riqueza se distribui entre as classes enquanto o objeto da Economia Política, não se deteve no questionamento das causas que originaram esta forma de distribuição. Marx, pelo contrário, centrou no estudo das relações de produção o objeto da Economia Política e, ao fazê-lo, pôde detectar no fetiche da mercadoria um elemento explicativo do surgimento, da consolidação e do modo de operar destas relações e das formas de distribuição correlatas.
Tendo em vista que não é incomum encontrar afirmações de que há em Marx uma postura ideológica que conduz a uma teoria enviesada do capitalismo, é conveniente, a esta altura, reforçar que, uma vez aceito o método de Marx, não se pode fugir à conclusão de que ele, ao invés de partir de uma ideologia para formular sua teoria, pelo contrário, descobre, com sua teoria (construída com base em método distinto do utilizado pelos economistas clássicos) o caráter ideológico da forma de operar da economia mercantil capitalista. Em outras palavras, sua teoria, graças ao método que utiliza, flagra a ideologia como componente necessário e como resultante da forma de operar da economia mercantil capitalista. Então não é a postura ideológica, mas sim a postura metodológica de Marx que o conduz à descoberta de conceitos que, nos marcos do supostamente asséptico método dos economistas clássicos, são conceitos ideológicos.”


Marx nunca foi marxista.


Mais uma vez, Delfim cita Marx em seu artigo semanal às terças no Valor Econômico. Cada dia mais tendo a achar que o jornalista Milton Coelho da Graça tem razão: Delfim é um marxista infiltrado.
Vamos ao trecho:
“ É verdade absoluta que: Marx nunca foi marxista e tinha dúvidas sobre eles; Keynes nunca foi keynesiano e desconfiava de quem declarasse que o fosse; Samuelson, o criador da síntese neoclássica, teve freqüentes achaques de fraqueza heterodoxa; o sempre abusado Hayek foi muito melhor e mais sofisticado do que o supõem os “não hayekianos”.”

domingo, 9 de setembro de 2012

O Cristóvão Colombo do Capital.


Um dos símbolos maiores do fetichismo da mercadoria – Louis Vuitton – publicou em sua coleção literária “Karl Marx. O  Cristovão Colombo do Capital”, à venda no site da marca francesa por 24 euros. Vale transcrever/traduzir a descrição do livro:
“Viajar com Karl Marx. A seleção de textos de Marx, comentados pelo historiador Jean-Jacques Marie propõe uma viagem universal através dos livros, as ideias,  a história e ainda um inédito sobre a vida e obra de Marx. O leitor, para sua grande alegria, irá descobrir uma faceta pouco conhecida do autor do Capital”.

E por falar em Louis Vuitton, vale destacar a nota publicada hoje/9/10/12 que registra a mudança de domicílio para Bélgica do presidente da boutique de luxo para fugir dos novos tributos criados por Hollande.

domingo, 2 de setembro de 2012

Marx, o capitalismo e a crise.


A cada crise do capitalismo o santo nome de Marx volta a ser pronunciado, nem sempre em vão. Uma das últimas ocorrências foi capa da revista “Eu & Fim de Semana” - na edição de 31/08/12 do jornal Valor Econômico -  com a chamada “O capitalismo e a crise” para dois excelentes ensaios de Luiz Gonzaga Belluzzo e André Lara Resende. Economia nunca foi a minha praia, no entanto, ousaria afirmar que os economistas clássicos – destaque para Adam Smith e Ricardo – fizeram proveitosas análises das origens e do capitalismo até o início do século 19 mas, seu desenvolvimento e suas crises foram missões do velho Karl, apesar da equivocada ditadura do proletariado.
Selecionei um trecho de cada autor, mas recomendo a leitura da íntegra, especialmente, do texto de Belluzzo, que reverencia o parceiro de Engels.

Luiz Gonzaga Belluzzo
“Uma leitura cuidadosa dos "Grundrisse" e dos três volumes de "O Capital" permite compreender que o dinheiro transformado em capital - origem e finalidade da circulação e da produção capitalistas (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro) - não só exige a submissão real da força de trabalho ao domínio das forças produtivas como também impõe aos trabalhadores (e aos proprietários do valor-capital) os ditames da acumulação de riqueza abstrata. A acumulação de mais dinheiro mediante o uso do dinheiro para capturar mais valor sob a forma monetária suscita a transfiguração das formas de expansão do valor, isto é, impõe o predomínio das formas "desenvolvidas": o capital a juros, o dinheiro de crédito e o capital fictício. Nessas formas, o dinheiro-capital realiza o seu conceito de valor que se valoriza e tenta continuamente romper os seus próprios limites ao buscar o acrescentamento do valor sem a mediação da mercadoria força de trabalho. "D-M-D" se converte em "D-D".”

André Lara Resende
“A nostalgia do mundo perdido abre caminho para os novos críticos, mais duros, da sociedade capitalista. A crítica deixa de ser cultural, nostálgica. Passa a denunciar a capacidade destrutiva, desagregadora, das novas forças liberadas numa sociedade integralmente movida pelos interesses materiais. Assim como a valorização dos interesses individuais e do comércio atingiu seu ápice com David Hume e Adam Smith, a mudança de rumo dos ventos intelectuais, a partir do fim do século XVIII, culminou com Karl Marx, na segunda metade do século XIX.”