quarta-feira, 18 de abril de 2012

A crise global revigorou o marxismo.

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A entrevista do sociólogo Göran Therbom - no Valor Econômico de 17 de abril -merece uma interrupção na postagem do capítulo sobre o “fetiche das mercadorias”. Göran começa afirmando que "Marx será relido e reinterpretado ainda muitas vezes no futuro. O que é duvidoso é se haverá uma identidade coletiva para os marxistas". Permita-me o professor EMÉRITO de Cambridge sanar a sua dúvida – jamais haverá “identidade coletiva para os marxistas”, assim como não há identidade coletiva para os cristãos, passados 2 séculos.
Seguem alguns trechos da entrevista concedida para promover o seu livro "Do Marxismo ao Pós-marxismo?" Boitempo Editorial 160 págs. R$ 39,00

“Sobre a globalização, estamos no mesmo terreno que Marx, o primeiro grande teórico social da modernidade contemporânea, como foi Baudelaire no que diz respeito à pintura e à poesia. O "Manifesto Comunista" foi a primeira inovação mais eloquente da globalização. Por isso, Marx foi recentemente ressuscitado, por exemplo, por Thomas Friedmann, do "New York Times". O economista Nouriel Roubini, que previu a crise de 2008, reconheceu a importância de Marx como o principal analista da dialética e das contradições do capitalismo. O capitalismo é autodestrutivo - e digo isso sem qualquer tom apocalíptico -, e a expansão dos baixos salários é insustentável, como Taiwan e Hong Kong estão aprendendo agora.”
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“Comparado com Confúcio, Platão, Aristóteles, Maquiavel, John Locke, Adam Smith, ou com Dante, Cervantes e Shakespeare, Marx ainda é jovem. Ele será relido, reinterpretado e reinvocado ainda muitas vezes no futuro. O que é duvidoso é se haverá uma identidade coletiva para "os marxistas". Daí o ponto de interrogação. Para Marx, isso não significava muito. Como ele afirmou, numa provocação: "Eu não sou marxista".

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“......a teoria de Marx se concentra nos circuitos do capital, inclusive nos mercados transnacionais. Mas é verdade, um desenvolvimento não ideológico das ideias de Marx tende a destacar que a virada do capitalismo avançado em direção à desindustrialização significou um enfraquecimento estrutural do trabalho e, consequentemente, da esquerda.”

Íntegra da entrevista:


segunda-feira, 16 de abril de 2012

O fetichismo da mercadoria e o seu segredo.

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Segue transcrição do texto de abertura da Seção 4 do Capítulo 1 do primeiro volume do Capital – “O fetichismo da mercadoria e o seu segredo”. Para estimular sua  leitura, antecipo o último parágrafo, quando o velho Karl excursiona pelo futuro ao afirmar que a forma de mercadoria e o valor dos produtos do trabalho não tem a ver com a sua natureza física, mas com a relação social que lhe dá forma fantasmagórica e que para encontrar “algo análogo a este fenômeno é necessário procurá-lo na região nebulosa do mundo religioso”.
Se isto não é uma antevisão do marketing, tudo que li sobre a disciplina, nos últimos 40 anos, foi um equívoco. Passemos ao texto original – destaque para os 2 comentários do autor, no final.

“A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial e que se compreende por si mesma. Pela nossa análise mostramos que, pelo contrário, é uma coisa muito complexa, cheia de subtilezas metafísicas e de argúcias teológicas. Enquanto valor-de-uso, nada de misterioso existe nela, quer satisfaça pelas suas propriedades as necessidades do homem, quer as suas propriedades sejam produto do trabalho humano. É evidente que a atividade do homem transforma as matérias que a natureza fornece de modo a torná-las úteis. Por exemplo, a forma da madeira é alterada, ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surge como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão; face a todas as outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabeça para baixo, e da sua cabeça de madeira saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar. (1)
O caráter místico da mercadoria não provém, pois, do seu valor-de-uso. Não provém tão pouco dos fatores determinantes do valor. Com efeito, em primeiro lugar, por mais variados que sejam os trabalhos úteis ou as atividades produtivas, é uma verdade fisiológica que eles são, antes de tudo, funções do organismo humano e que toda a função semelhante, quaisquer que sejam o seu conteúdo e a sua forma, é essencialmente um dispêndio de cérebro, de nervos, de músculos, de órgãos, de sentidos, etc., do homem. Em segundo lugar, no que respeita àquilo que determina a grandeza do valor - isto é, a duração daquele dispêndio ou a quantidade de trabalho -, não se pode negar que essa quantidade de trabalho se distingue claramente da sua qualidade. Em todas as épocas sociais, o tempo necessário para produzir os meios de subsistência interessou necessariamente os homens, embora de modo desigual, de acordo com o estádio de desenvolvimento da civilização. (2) Enfim, desde que os homens trabalham uns para os outros, independentemente da forma como o fazem, o seu trabalho adquire também uma forma social.

Donde provém, portanto, o caráter enigmático do produto do trabalho, logo que ele assume a forma-mercadoria? Evidentemente, dessa mesma forma. A igualdade dos trabalhos humanos adquire a forma [objetiva da igualdade] de valor dos produtos do trabalho; a medida do dispêndio da força de trabalho humana, pela sua duração, adquire a forma de grandeza de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas quais se afirmam as determinações sociais dos seus trabalhos, adquirem a forma de uma relação social dos produtos do trabalho.
[O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente em que ela apresenta aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como se fossem características objetivas dos próprios produtos do trabalho, como se fossem propriedades sociais inerentes a essas coisas; e, portanto, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho global como se fosse uma relação social de coisas existentes para além deles.] É por este quiproquó que esse produtos se convertem em mercadorias, coisas a um tempo sensíveis e suprasensíveis (isto, é, coisas sociais). Também a impressão luminosa de um objeto sobre o nervo óptico não se apresenta como uma excitação subjetiva do próprio nervo, mas como a forma sensível de alguma coisa que existe fora do olho. Mas, no ato da visão, a luz é realmente projetada por um objeto exterior sobre um outro objeto, o olho; é uma relação física entre coisas físicas. Ao invés, a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho [na qual aquela se representa] não tem a ver absolutamente nada com a sua natureza física [nem com as relações materiais dela resultantes]. É somente uma relação social determinada entre os próprios homens que adquire aos olhos deles a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar algo de análogo a este fenômeno, é necessário procurá-lo na região nebulosa do mundo religioso. Aí os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, entidades autônomas que mantêm relações entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos da mão do homem. É o que se pode chamar o fetichismo que se aferra aos produtos do trabalho logo que se apresentam como mercadorias, sendo, portanto, inseparável deste modo-de-produção.
[Este caráter fetiche do mundo das mercadorias decorre, como mostrou a análise precedente, do caráter social próprio do trabalho que produz mercadorias.]

(1) Recorde-se que, enquanto o resto do mundo parecia estar tranquilo, a China e as mesas começaram a dançar .- pour encourager les autres

(2) Entre antigos germanos, a grandeza de uma jeira de terra calculava-se pelo trabalho de um dia, e daí o seu nome Tagewerk, Mannewerk, etc. (jurnale ou jornalis, terra jurnalis ou diurnalis). [Ver Georg Ludwig von Maurer, Einleitung zur Geschichte der Mark -, Hof -, etc. Verfassung, Munique, 1854, p. 129 s.]. De resto, a expressão "journal" de terre subsiste ainda em certas regiões da França

domingo, 8 de abril de 2012

O fetiche da mercadoria. De Marx a Steve Jobs

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O velho Karl viveu a transição da 1ª para a 2ª revolução industrial, mas antecipou o fetiche da mercadoria; a motivação central da 4ª revolução ou, pra quem prefere, da 2ª sociedade de consumo – aquela onde o “ter” está sendo substituído pelo “chegar” – a sociedade do “acesso”. Ticiano Sampaio construiu uma tese, nessa linha, em “Steve Jobs e Karl Marx, tecnologias de uso pessoal e fetiche da mercadoria”. Vide a íntegra do texto em http://www.droider.com.br/opiniao/steve-jobs-karl-marx-tecnologias-uso-pessoal-fetiche-mercadoria.html
Selecionei dois trechos para estimular a leitura da íntegra.

“Talvez, para falar de fetichismo da mercadoria, seja mais importante, hoje, analisar Steve Jobs do que Karl Marx. Na entrevista inicialmente comentada, Jobs já demonstrava saber claramente o que precisava fazer, e fez, para revitalizar uma Apple que ia mal das pernas e transformá-la na gigante que vemos hoje. Dois imperativos: inovar e fortalecer a lealdade à marca entre os consumidores. Ninguém na história do marketing se mostrou tão competente em trabalhar essa lealdade do que o próprio Jobs.”
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“Nessa época em que a propaganda está decisivamente adotando as mídias sociais, os produtos da Apple estão à frente de todos os outros. Não por força de um trabalho de social media, mas por força de um trabalho prévio, realizado pelo próprio Jobs, que sabe como ninguém mexer com a fetichização da mercadoria, numa acepção tão forte que talvez não fosse imaginada nem por Marx quando inicialmente trabalhou o conceito.
Concluindo um texto tão maluco que põe Karl Marx para dialogar com Steve Jobs, prefiro usar uma simplificação para me fazer bem compreendido. Nesse novo tempo de discussões tão abertas, onde todos nós assimilamos, analisamos e repassamos informações para uma audiência jamais imaginada para um cidadão comum, tornar-se um “fan boy” idiotizado é algo que desvaloriza a sua presença nessas mídias.
O fan boy é a vítima da mais nova modalidade de alienação. Ele não precisa, e muitas vezes se recusa, a oferecer uma opinião inteligente sobre as soluções das quais fala. Ele apenas repete tudo como um papagaio de propaganda, movido quase sempre por um eterno priapismo provocado pela mercadoria competentemente fetichizada.”


sábado, 7 de abril de 2012

O fetichismo da mercadoria - de Marx a Lacan.

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A professora Isleide Arruda Fontenelle, em “ O trabalho da ilusão: produção, consumo e subjetividade na sociedade contemporânea”, faz uma excelente análise da evolução do fetiche, do velho Karl à Lacan, com passagem por Freud. Selecionei o parágrafo final :

“A relação constitutiva entre corpo e alienação – tão presente nas teorias marxista e psicanalítica – precisa ser retomada a partir dessa nova perspectiva dada pela realidade social na qual nos encontramos: chegamos a um estágio tal de descartabilidade, desterritorialização, descontinuidade temporais, que o fetiche ganha um estranho formato nessa nova era tido como “do acesso”: de não haver mais um objeto a ser consumido, mas apenas gozado – o que coincide com o que foi dito por Zizek em sua palestra no Brasil em 2004 – que os lacanianos já estão se dando conta de um “estranho fenômeno: o fetichismo sem objeto”.
É preciso buscar, portanto, onde está o Real da ilusão nessa nova forma de organização social da ilusão. Ou seja: o lugar onde o sujeito busca “dar consistência à sua identidade fora dos ‘títulos’, dos referenciais que o situam na rede simbólica universal, uma maneira de presentificar (...) sua fantasia” (Zizek, 1991, p. 149-150).

domingo, 1 de abril de 2012

Marx e o golpe de 1º de abril.

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Lá se vão  48 anos, do golpe militar de 1º de abril de 1964. O melhor da história é que os milicos de ontem e alguns desinformados de hoje ainda chamam de “revolução de 31 de março”. Qual a justificativa da milicada para depor o Presidente João Goulart ( tentativa mal sucedida em 1961) ?
Tratava-se de um comunista, um “agente de moscou”. O latifundiário Jango era o terror do movimento “Tradição, Família e Propriedade”, um subproduto da guerra fria ( fria??) que transformou o velho Karl em Deus ou diabo, dependo do lado da cortina de ferro e da visão de mundo do interlocutor. Vale registrar que com o fim do confronto EUA X URSS, o mundo retomou a visão mais serena e analítica da obra de Marx – objeto deste blog.
Dois acontecimentos colaboraram com o golpe militar – o comício da Central do Brasil e o discurso de Jango para os sargentos, no Automóvel Club. Do segundo cabe o registro, na ocasião, da manifestação de Luis Carlos Prestes – líder do “Partidão” : “muito radical”....
Uma sugestão para o Prefeito Eduardo Paes: que tal trocar a denominação do “Viaduto 31 de março” para “Viaduto João Goulart” ?