sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Engels e o cristianismo subversivo.

 Em março de 1895, Engels produz um de seus últimos textos, considerado por respeitados analistas um verdadeiro “testamento”. O longo texto serviu de introdução para uma nova edição do clássico de Marx, “ A luta de classes na França 1848 a 1850”. Segue a transcrição do último parágrafo que conta a incorporação do cristianismo como religião de estado por Constantino, “chamado pelos padres,  o Grande”:

“Faz hoje quase 1600 anos que no Império Romano atuava também um perigoso partido subversivo. Esse partido minava a religião e todos os fundamentos do Estado; negava sem rodeios que a vontade do imperador fosse a lei suprema; era um partido sem pátria, internacional, estendia-se por todo o Império desde a Gália à Ásia e mesmo para lá das fronteiras imperiais. Durante muito tempo minara às escondidas, sob a terra. Todavia, já há muito tempo que se considerava suficientemente forte para aparecer à luz do dia. Esse partido subversivo, que era conhecido pelo nome de cristãos, tinha também uma forte representação no exército; legiões inteiras eram cristãs. Quando lhes ordenavam que estivessem presentes nas cerimónias sacrificiais da igreja oficial, para aí prestarem as honneurs esses soldados subversivos levavam o seu atrevimento tão longe que, como protesto, punham no capacete uns distintivos especiais: cruzes. Mesmo os vulgares castigos dos quartéis pelos seus superiores não surtiam qualquer efeito. O imperador Diocleciano já não podia assistir tranquilamente ao minar da ordem, da obediência e da disciplina dentro do seu exército. Interveio energicamente porque ainda era tempo para isso. Emitiu uma lei contra os socialistas, queria dizer, uma lei contra os cristãos. Foram proibidas as reuniões de subversivos, os locais de reunião encerrados ou demolidos, os símbolos cristãos, cruzes, etc, proibidos, como na Saxónia os lenços vermelhos. Os cristãos foram declarados incapacitados para ocuparem cargos públicos, e nem sequer podiam ser cabos. Como nessa altura não se dispunha de juízes tão bem amestrados no respeitante à "consideração da pessoa" como o pressupõe o projeto de lei contra a subversão do senhor Herm von Köller proibiu-se sem mais rodeios os cristãos de defender os seus direitos perante o tribunal. Mas até esta lei de exceção não teve êxito. Os cristãos arrancaram-na dos muros, escarnecendo dela, e diz-se mesmo que deitaram fogo ao palácio, em Nicomédia, nas barbas do imperador. Este vingou-se com a grande perseguição aos cristãos do ano 303 da nossa era. Foi a última no seu género. E foi tão eficaz que dezessete anos mais tarde o exército era composto predominantemente por cristãos e o autocrata de todo o Império Romano que se lhe seguiu, Constantino
 chamado pelos padres o Grande, proclamou o cristianismo religião de Estado.
Londres, 6 de Março de 1895

Friedrich Engels “