Em 5 de maio de 1885, quando Marx completaria 67 anos, Engels escreve , e data, o prefácio do 2º volume de “O Capital” e faz uma curiosa comparação entre o trabalho do amigo Karl e Lavoisier. Assim como o químico francês invalidara a teoria do flogístico de Stahl, Marx submetera a teoria do valor de Ricardo a uma procedente revisão. Engels fala ainda das duas formas da mais-valia; a absoluta e a relativa e o papel “que elas desempenharam no desenvolvimento histórico da produção capitalista”. Um papel poeticamente resumido por Vinicius de Morais na canção “Berimbau” ( parceria com Toquinho) : “o dinheiro de quem não dá. É o trabalho de quem não tem”.
Assim como Lavoisier para Priestley e Scheele está Marx para os seus predecessores na teoria da mais-valia. A existência da parte de valor dos produtos, a que agora damos o nome de mais-valia, estava verificada muito antes de Marx; estava igualmente expresso, com maior ou menor clareza, em que é que ela consiste, a saber, no produto do trabalho pelo qual o apropriador não pagou um equivalente. Mas não se ia além disto. Uns — os economistas burgueses clássicos — examinavam quando muito a proporção de grandezas em que o produto do trabalho é repartido entre o operário e o possuidor dos meios de produção. Os outros — os socialistas — achavam injusta esta repartição e procuravam meios utópicos para eliminar a injustiça. Uns e outros ficaram presos nas categorias econômicas tal como as tinham encontrado.
Entrou então Marx em cena. E, de fato, em oposição direta a todos os seus predecessores. Onde estes tinham visto uma solução, ele viu apenas um problema. Ele viu que aqui não havia nem ar “desflogistizado” nem ar de fogo, mas oxigênio — que aqui não se tratava nem da mera constatação de um fato econômico nem do conflito desse fato com a justiça eterna e a moral verdadeira, mas de um fato que estava destinado a revolucionar toda a Economia e que oferecia a chave para o entendimento de toda a produção capitalista — para aquele que a soubesse usar. Com este fato em mão examinou todas as categorias já existentes, tal como Lavoisier com o oxigênio em mão examinara as categorias já existentes da química flogística (1). Para saber o que era a mais-valia ele tinha de saber o que era o valor. A própria teoria do valor de Ricardo tinha antes de tudo de ser submetida à crítica. Marx examinou portanto o trabalho na sua qualidade de criação de valor e verificou pela primeira vez qual o trabalho, e porquê, e como é que cria valor, e que o valor nada é absolutamente senão trabalho coagulado desta espécie — um ponto que Rodbertus até ao fim não compreendeu. Marx examinou depois a relação de mercadoria e dinheiro e demonstrou como e porquê, por força da propriedade de valor que lhe é inerente, a mercadoria e a troca de mercadorias têm de gerar o oposto de mercadoria e dinheiro; a sua teoria do dinheiro, fundada sobre tal base, é a primeira teoria exaustiva, e a agora tácita e geralmente aceite. Ele examinou a transformação de dinheiro em capital e provou que ela assenta na compra e venda da força de trabalho. Ao pôr aqui a força de trabalho, a propriedade criadora de valor, no lugar do trabalho, solucionou de um golpe uma das dificuldades contra que tinha soçobrado a escola de Ricardo: a impossibilidade de pôr em harmonia a troca recíproca de capital e trabalho com a lei de Ricardo da determinação do valor pelo trabalho. Ao constatar a diferenciação do capital em constante e variável, foi o primeiro que conseguiu representar até ao mais ínfimo pormenor, e desse modo explicar, o processo de criação da mais-valia no seu decurso real — o que nenhum dos seus predecessores conseguira; ele constatou portanto uma diferença dentro do próprio capital com a qual Rodbertus, tal como os economistas burgueses, não estava em condições de fazer fosse o que fosse, mas que fornece a chave para a solução dos problemas econômicos mais intricados, do que se dá aqui de novo no Livro II — e ainda mais, como se mostrará, no Livro III — a prova mais flagrante. Aprofundou o exame da própria mais-valia, achou as suas duas formas: mais-valia absoluta e relativa, e demonstrou o papel diverso, mas em ambos os casos decisivo, que elas desempenharam no desenvolvimento histórico da produção capitalista. Sobre a base da mais-valia desenvolveu a primeira teoria racional que temos do salário do trabalho, e deu pela primeira vez os traços fundamentais de uma história da acumulação capitalista e uma representação da sua tendência histórica...”
Londres, no dia do aniversário de Marx, 5 de Maio de 1885.
(1) Segundo Ernst Stahl (1659 – 1734) os corpos combustíveis possuiriam uma matéria chamada flogisto, liberada ao ar durante os processos de combustão (material orgânico) ou de calcinação(metais). "Flogisto" vem do grego e significa "inflamável” "passado pela chama" ou "queimado". A absorção dos flogistos do ar seria feita pelas plantas.
Apesar de alguns químicos da época terem sido fascinados pela teoria e esta ter perdurado até o final do século XVIII, foi então fortemente atacada por Lavoisier (1743 – 1794).
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