domingo, 11 de setembro de 2011

Repercussões da 1ª edição de "O Capital"- comentadas pelo Autor.


Em janeiro de 1873, no Posfácio da 2ª edição alemã de “O Capital”, Marx comenta as repercussões da 1ª edição, do volume 1:

“Na Primavera de 1872, apareceu em Petersburgo uma excelente tradução russa do Kapital. A edição de 3000 exemplares está agora já quase esgotada. Já em 1871, o senhor N. Sieber (Зибeръ), professor de Economia Política na Universidade de Kíev, no seu escrito: ,”Teopiя чжнноcти и кaIIитaдa Д. Pикaрдo" (Teoria do Valor e do Capital de D. Ricardo), tinha demonstrado que a minha teoria do valor, do dinheiro e do capital, nos seus traços fundamentais, era um aperfeiçoamento necessário da doutrina de Smith e de Ricardo. O que surpreende o europeu ocidental na leitura do seu sólido livro é a manutenção consequente do ponto de vista puramente teórico.
O método empregue no Kapital foi pouco entendido, como já o demonstram as interpretações entre si contraditórias [que] dele [se fizeram].
Assim, a Revue Positiviste de Paris censura-me, por um lado, porque trato a Economia metafisicamente e, por outro lado — imagine-se! —, porque me limito a uma dissecação meramente crítica do dado, em vez de prescrever receitas (comtianas?) para as casas de pasto do futuro.
Contra a censura de metafísica, observa o Prof. Sieber:
«Na medida em que se trata propriamente da teoria, o método de Marx é o método dedutivo de toda a escola inglesa, cujos defeitos e vantagens são comuns aos melhores economistas teóricos
O senhor M. Block — Les Théoriciens du Socialisme en Allemagne. Extrait du Journal des Économistes, juillet et août 1872 — descobre que o meu método é analítico e diz, entre outras coisas:
«Par cet ouvrage M. Marx se classe parmi les esprits analytiques les plus éminents
Os autores de resenhas alemães, naturalmente, gritam que é puro verbalismo  hegueliano.
O “Вжcтникъ Eвроы" (Mensageiro da Europa) de Petersburgo, num artigo que trata exclusivamente do método do Kapital (número de Maio de 1872, pp. 427-436), acha o meu método de pesquisa rigorosamente realista, mas o meu método de exposição infelizmente alemão-dialético. Diz ele :
«À primeira vista, quando se julga da forma exterior da exposição, Marx é o maior filósofo ideal e, precisamente, no sentido alemão, isto é, no mau sentido da palavra. De fato, porém, ele é infinitamente mais realista do que todos os seus antecessores em matéria de crítica econômica... De maneira nenhuma se lhe pode chamar um idealista
Não posso responder melhor ao autor do que através de alguns extratos da sua própria crítica, que, além disso, poderão interessar a muitos dos meus leitores para quem o original russo é inacessível.
Depois de uma citação do meu prefácio a Kritik der Pol. Oek. Berlin, 1859, pp. IV-VII, onde debati a base materialista do meu método, o autor prossegue:
«Para Marx uma só coisa é importante: encontrar a lei dos fenômenos, de cuja investigação ele se ocupa. E, para ele, é importante não apenas a lei que os rege na medida em que eles têm uma forma acabada e permanecem numa conexão, tal como é observada num dado período de tempo.
Para ele, é ainda acima de tudo importante a lei da sua mudança, do seu desenvolvimento, isto é, da passagem de uma forma à outra, de uma ordem de conexão à outra. Uma vez descoberta esta lei, investiga em pormenor as consequências por que se dá a conhecer na vida social...
Por consequência, Marx esforça-se por uma só coisa: por demonstrar, através de uma investigação científica rigorosa, a necessidade de determinadas ordens das relações sociais e por constatar, tão irrepreensivelmente quanto possível, os fatos que lhe servem de pontos de partida e de apoio. Para isso é perfeitamente suficiente que ele, com a necessidade da ordem presente, demonstre, ao mesmo tempo, a necessidade de uma outra ordem, a que a primeira inevitavelmente tem de passar, sendo totalmente indiferente que os homens acreditem nela ou não acreditem, estejam conscientes dela ou não estejam conscientes.
Marx considera o movimento social como um processo histórico-natural, dirigido por leis que não só são independentes da vontade, da consciência e da intenção dos homens, como inversamente antes determinam o seu querer, consciência e intenções...
Quando o elemento consciente na história da cultura desempenha um papel tão subordinado, é evidente então que a crítica, cujo objeto é a própria cultura, não pode, menos do que qualquer outra coisa, ter por base qualquer forma ou qualquer resultado da consciência.
Isto significa que não é a ideia mas apenas o fenômeno exterior, que lhe pode servir de ponto de partida. A crítica limitar-se-á à comparação e confronto de um fato, não com a ideia mas com o outro fato. Para ela apenas é importante que ambos os fatos possam o mais possível ser rigorosamente investigados e que realmente constituam um em face do outro diversos momentos do desenvolvimento; antes de tudo, porém, é importante que, não menos rigorosamente, seja pesquisada a série das ordens, a sequência e ligação em que as etapas de desenvolvimento aparecem.
Mas, dir-se-á, as leis universais da vida econômica são as mesmas, sendo totalmente indiferente que se apliquem ao presente ou ao passado. É precisamente isto que Marx nega. Segundo ele, semelhantes leis abstratas não existem...
Em sua opinião, pelo contrário, cada período histórico possui as suas leis próprias... Assim que a vida ultrapassou um dado período de desenvolvimento, passou de um dado estágio a outro, começa também a ser guiada por outras leis.
Numa palavra, a vida econômica oferece-nos um fenômeno análogo à história do desenvolvimento em outros domínios da Biologia... Os velhos economistas enganavam-se acerca da natureza das leis econômicas quando as comparavam às leis da Física e da Química...
Uma análise mais profunda dos fenômenos provou que os organismos sociais se diferenciam uns dos outros tão fundamentalmente como os organismos vegetais e os organismos animais...
Sim, um mesmo fenômeno está submetido a leis completa e totalmente diversas em consequência da estrutura global [Gesamtbau] diversa daqueles organismos, do desvio dos seus órgãos individuais, da diferença das condições em que funcionam, etc. Marx nega, por exemplo, que a lei da população seja a mesma para todos os tempos e para todos os lugares.
Assegura, pelo contrário, que cada etapa de desenvolvimento tem a sua própria lei de população...
Com o desenvolvimento diverso da força produtiva alteram-se as relações e as leis que as regem. Quando Marx coloca a si próprio o objetivo de, a partir deste ponto de vista, investigar e explicar a ordem econômica capitalista, formula apenas de um modo científico exato o objetivo que toda a investigação rigorosa da vida econômica tem de ter...
O valor científico de semelhante pesquisa reside no esclarecimento das leis particulares que regem a gênese, existência, desenvolvimento e morte de um dado organismo social e a sua substituição por um outro, superior. E, de fato, o livro de Marx tem este valor.»
Quando o autor descreve tão apropriadamente aquilo a que chama o meu método real e tão generosamente o que à minha aplicação pessoal dele concerne, que outra coisa descreveu ele senão o método dialético?
Certamente que o modo de exposição se tem de distinguir formalmente do modo de investigação. A investigação tem de se apropriar do material em pormenor, de analisar as suas diversas formas de desenvolvimento e de seguir a pista do seu vínculo interno. Somente depois de completado este trabalho pode o movimento real ser exposto em conformidade. Quando se consegue isto e quando a vida do material se reflete, então, idealmente [ideell] poderá parecer que se está perante uma construção a priori.”

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