sábado, 10 de setembro de 2011

Dialética de Marx versus dialética de Hegel.

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Em janeiro de 1873, no posfácio da segunda edição alemã do primeiro volume de “O Capital”, Marx aproveita para criticar “o lado mistificador da dialética de Hegel”.
Hegeliano na juventude, reconhece que, apesar das criticas, o antigo mestre foi o primeiro a expor a dialética de um modo abrangente e consciente das suas formas de movimento universais.

“O meu método dialético é, pela base, não apenas diverso do de Hegel mas o seu direto oposto. Para Hegel, o processo do pensamento — que ele transforma mesmo num sujeito autônomo sob o nome de Ideia — é o demiurgo do real, que forma apenas o seu fenômeno exterior. Para mim, inversamente, o ideal [das Ideelle] não é senão o material transposto e traduzido na cabeça do homem.
Critiquei o lado mistificador da dialética de Hegel há já quase 30 anos, numa altura em que ela ainda estava em moda. Mas, precisamente, quando elaborava o primeiro volume de Das Kapital, a epigonagem (1) rabujenta, arrogante e medíocre, cuja palavra pesa hoje na Alemanha culta, comprazia-se a tratar Hegel como o bom do Moses Mendelssohn, no tempo de Lessing, tinha tratado Spinoza  a saber: como «cão morto». Confessei-me, portanto, abertamente discípulo daquele grande pensador e coqueteei mesmo aqui e ali no capítulo sobre a teoria do valor com o modo de expressão que lhe é peculiar. A mistificação que a dialética sofre às mãos de Hegel de modo nenhum impede que tenha sido ele a expor, pela primeira vez, de um modo abrangente e consciente as suas formas de movimento universais. Nele, ela está de cabeça para baixo. Há que inverte-la  para descobrir o núcleo racional no invólucro místico.
Na sua forma mistificada, a dialética tornou-se moda alemã, porque ela parecia glorificar o existente. Na sua figura racional, ela é um escândalo e uma abominação para a burguesia e para os seus porta-vozes doutrinários, porque, na compreensão positiva do existente, ela encerra também ao mesmo tempo a compreensão da sua negação, da sua decadência necessária; porque ela apreende cada forma devinda no fluir do movimento, portanto, também pelo seu lado transitório; porque não se deixa impressionar por nada; porque, pela sua essência, é crítica e revolucionária.
O movimento pleno de contradições da sociedade capitalista faz-se sentir do modo mais flagrante para o burguês prático nas vicissitudes do ciclo periódico que a indústria moderna atravessa e no seu ponto culminante — a crise universal. Ela vem de novo a caminho, embora ainda nos estágios preliminares e, pela omnilateralidade do seu palco de ação, bem como pela intensidade do seu efeito, enfiará a dialética na cabeça mesmo dos afortunados do novo sacro império prusso-alemão.”

(1) Marx refere-se aqui aos filósofos burgueses alemães Ludwig Büchner, Friedrich Albert Lange, Eugen Duhring, Gustav-Theodor Fechner e outros.

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