segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Repensar a teoria crítica do capitalismo. Parte 4.

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Moishe Postone, professor de história da Universidade de Chicago, tem se dedicado a fazer uma revisita à obra de Marx com a perspectiva do nosso século. Já dediquei algumas postagens aos seus textos. Na palestra com o titulo acima, Postone disserta sobre dinâmica complexa do capitalismo e responde a perguntas da platéia. Na resposta à pergunta abaixo transcrita, Postone se refere à configuração estatocêntrica do capitalismo na União Soviética (leia-se “Capitalismo de Estado”).

Pergunta : Por um lado, é altamente crítico da União Soviética e, por outro, também diz que o comunismo é a auto-abolição do proletariado. Pode dizer mais alguma coisa sobre isso? Isto porque, no caso da União Soviética, a classe trabalhadora não foi, definitivamente, abolida. Creio que se tratava de um modo de produção não-capitalista onde, não obstante, o proletariado continuou a existir. Havia uma lógica capital/trabalho enquanto atividade de mediação, mas, ao mesmo tempo, é indispensável considerarmos os seus aspectos não-capitalistas.

Resposta: Uma forma de voltar a olhar para o padrão do século XX – o padrão temporal do século XX – é observar a ascensão e a queda do capitalismo estatocêntrico, do capitalismo fordista. Trata-se de um movimento geral. Podemos datar o seu início em 1914 (ou 1917 no Leste) e o seu fim em 1973 (ou 1989 no Leste). A ascensão e a queda desta forma – deixando a União Soviética de lado por um momento – aconteceram independentemente do partido político que ocupava o poder. A expansão do Estado de bem-estar ocorreu por todo o lado no Ocidente mais ou menos depois de 1949 e começou a ser travada por todo o lado nos anos 1970, independentemente de estarem no poder sociais-democratas, democratas-cristãos, republicanos ou democratas. Este padrão não pode ser explicado em termos locais ou contingentes. Isso não significa que não estivessem envolvidas inflexões contingentes ou locais, mas penso que esses padrões de larga escala exigem alguma explicação e que a teoria do capital (diferentemente das posições pós-estruturalistas) pode responder a essas questões. A União Soviética, do meu ponto de vista, deve ser entendida no contexto do quadro mais vasto da configuração histórica estatocêntrica do capitalismo. Dentro desse quadro, representou uma tentativa de um país semiperiférico de sair dessa posição. Como muitos já sublinharam, não poderia ter havido abolição da classe trabalhadora nessa situação. Pelo contrário, o que aconteceu foi a constituição de uma classe trabalhadora através de um processo de acumulação primitiva dirigido pelo Estado. O que ocorreu na União Soviética durante o período de Stalin foram algumas décadas brutais que recapitularam o que levara centenas de anos brutais na Inglaterra. Esse processo foi o da constituição do capital nacional. Foi, porém, apresentado como construção do socialismo, distorcendo desse modo as ideias-chave críticas da análise de Marx.
Uma das razões por que tentei lidar com as categorias da mercadoria e do capital sem referência anterior às categorias do mercado e da propriedade privada é que elas podem também iluminar essas formas de capital estatocêntrico nacional. De outra forma, a teoria crítica do capital torna-se uma teoria muito mais parcial do que deveria.


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