Esta
4ª parte abre com a afirmativa da postagem anterior: “Somente com o tempo o homem procurará
decifrar o sentido do hieróglifo, penetrar nos segredos da obra social para a
qual contribui, pois a transformação dos objetos úteis em valores é um produto
da sociedade, tal como o é a linguagem”. E encerra com a afirmativa “Mas
quando os produtores destas mercadorias as relacionam ao tecido - ou ao ouro ou
à prata, o que vem a dar no mesmo -, como equivalente geral, as relações entre
os seus trabalhos privados e o conjunto do trabalho social [global]
aparecem-lhes precisamente sob esta forma absurda”.
“Somente com o tempo o homem
procurará decifrar o sentido do hieróglifo, penetrar nos segredos da obra
social para a qual contribui, pois a transformação dos objetos úteis em valores
é um produto da sociedade, tal como o é a linguagem.
A recente descoberta
científica, de que os produtos do trabalho, enquanto valores, são [objetiva]
pura e simplesmente a expressão do trabalho humano gasto na sua produção, marca
uma época na história do desenvolvimento da humanidade, mas não dissipou de
modo algum a fantasmagoria que faz aparecer o caráter social do trabalho como
uma qualidade das coisas, dos próprios produtos. O que é verdadeiro apenas para
esta forma particular de produção, a produção mercantil —; a saber, que o
caráter [especificamente] social dos mais diversos trabalhos [privados,
independentes uns dos outros], consiste na sua igualdade como trabalho humano,
e reveste uma forma objetiva, a forma-valor dos produtos do trabalho -, isso
parece aos olhos dos homens imersos nas engrenagens das relações da produção de
mercadorias, hoje como antes daquela descoberta, tão definitiva e tão natural
como a forma gasosa do ar que permaneceu idêntica mesmo depois da descoberta
dos seus elementos químicos.
O que na prática interessa em
primeiro lugar aos que trocam produtos é saber que quantidade [de produtos
alheios] é que obterão em troca dos seus produtos, isto é, as proporções em que
eles se trocam. A partir do momento em que estas proporções passaram a ter uma
certa fixidez, produzida pelo hábito, elas parecer-lhe-ão provir da própria
natureza dos produtos do trabalho. Parece existir nessas coisas uma propriedade
de se trocarem em proporções determinadas, tal como as substâncias químicas se
combinam com proporções fixas [;por exemplo, uma tonelada de aço e duas onças
de ouro têm igual valor, tal como uma libra de ouro e uma libra de ferro têm
igual peso, apesar das suas diferentes qualidades físicas e químicas] .
De fato, o caráter de valor dos
produtos do trabalho só se fixa quando eles se determinam como grandezas de
valor. Estas últimas mudam sem cessar, independentemente da vontade e das
previsões [e das ações] daqueles que trocam mercadorias, aos olhos de quem o
seu próprio movimento social toma assim a forma de um movimento de coisas,
movimento que os dirige em vez de serem eles a dirigi-lo.
É necessário que a produção
mercantil se tenha completamente desenvolvido, para que da própria experiência
decorra esta verdade científica: - que os trabalhos privados executados
independentemente uns dos outros, mas inteiramente interdependentes como
ramificações espontâneas do sistema da divisão social do trabalho, são
constantemente reduzidos à sua medida socialmente proporcional. E porquê?
Porque nas relações de troca, acidentais e sempre variáveis, dos seus produtos,
o tempo de trabalho social necessário à sua produção impõe-se forçosamente como
lei reguladora natural, tal como a lei da gravidade se faz sentir a qualquer
pessoa quando a sua casa desaba sobre a sua cabeça.
A determinação da grandeza de
valor pela duração do trabalho é, portanto, um segredo escondido sob o
movimento aparente dos valores [relativos] das mercadorias; mas a sua
descoberta, mostrando embora que a grandeza de valor não se determina ao acaso,
como poderá parecer, não faz com isso desaparecer a forma que representa esta
quantidade como uma relação de grandeza entre as coisas, entre os próprios
produtos do trabalho.
A reflexão sobre as formas da
vida social, e por conseguinte a sua análise científica, segue um caminho
completamente oposto ao do movimento real. Começa depois dos fatos consumados,
já com os resultados do processo de desenvolvimento. As formas que imprimem aos
produtos do trabalho a marca de mercadorias e que por isso são pressuposto da
sua circulação, possuem, também elas, já a fixidez de formas naturais da vida
social, antes que os homens procurem dar-se conta, não do caráter histórico
destas - que, pelo contrário, se lhes apresentam já como imutáveis -, mas do
seu sentido último.
Assim, foi somente a análise do
preço das mercadorias que conduziu à determinação da grandeza do valor, e
somente a comum expressão das mercadorias em dinheiro levou à fixação do seu
caráter de valor. Ora, é precisamente esta forma acabada do mundo das
mercadorias, a sua forma-dinheiro, que, em vez de revelar, dissimula o caráter
social dos trabalhos privados e as relações sociais entre os produtores. Quando
digo que o trigo, um fato, botas se relacionam com o tecido como encarnação geral
do trabalho humano abstrato, a falsidade e o absurdo desta expressão salta logo
à vista. Mas quando os produtores destas mercadorias as relacionam ao tecido -
ou ao ouro ou à prata, o que vem a dar no mesmo -, como equivalente geral, as
relações entre os seus trabalhos privados e o conjunto do trabalho social
[global] aparecem-lhes precisamente sob esta forma absurda.”