Esta
3ª parte abre com a afirmativa da postagem anterior: :“Para
encontrar algo de análogo a este fenômeno, é necessário procurá-lo na região
nebulosa do mundo religioso”. E se encerra com a afirmativa de que o valor não traz escrito
na testa o que ele realmente é “Longe disso, ele transforma cada produto do
trabalho num hieróglifo [social]. Somente com o tempo o homem procurará
decifrar o sentido do hieróglifo, penetrar nos segredos da obra social para a
qual contribui, pois a transformação dos objetos úteis em valores é um produto
da sociedade, tal como o é a linguagem”.
“Para encontrar algo de análogo a este fenômeno, é necessário
procurá-lo na região nebulosa do mundo religioso. Aí os produtos do cérebro
humano parecem dotados de vida própria, entidades autônomas que mantêm relações
entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos
da mão do homem. É o que se pode chamar o fetichismo que se aferra aos produtos
do trabalho logo que se apresentam como mercadorias, sendo, portanto,
inseparável deste modo-de-produção.
[Este caráter fetiche do mundo
das mercadorias decorre, como mostrou a análise precedente, do caráter social
próprio do trabalho que produz mercadorias.]
Os objetos úteis só se tornam
em geral mercadorias porque são produtos de trabalhos privados, executados
independentemente uns dos outros. O conjunto destes trabalhos privados
constitui o trabalho social [global]. Dado que os produtores só entram em
contacto social pela troca dos seus produtos, é só no quadro desta troca que se
afirma também o caráter [especificamente] social dos seus trabalhos privados.
Ou melhor, os trabalhos privados manifestam-se na realidade como frações do
trabalho social global apenas através das relações que a troca estabelece entre
os produtos do trabalho e, por intermédio destes, entre os produtores. Daí
resulta que para estes últimos, as relações [sociais] dos seus trabalhos
privados aparecem tal como são, ou seja, não como relações imediatamente
sociais entre pessoas nos seus próprios trabalhos, mas antes como [relações
materiais entre pessoas e] relações sociais entre coisas.
Somente pela troca é que os
produtos do trabalho adquirem, como valores, uma existência social idêntica e
uniforme, distinta da sua existência material e multiforme como objetos úteis.
Esta cisão do produto do trabalho, em objeto útil e objeto de valor, só teve
lugar na prática a partir do momento em que a troca adquiriu extensão e
importância bastantes para que passassem a ser produzidos objetos úteis em vista
da troca, de modo que o caráter de valor destes objetos é já tomado em
consideração na sua própria produção.
A partir desse momento, os
trabalhos privados dos produtores adquirem, de fato, um duplo caráter social.
Por um lado, como trabalhos úteis [determinados], devem satisfazer uma
determinada necessidade social, afirmando-se portanto como partes integrantes
do trabalho global, isto é, do sistema de divisão social do trabalho que se
forma espontaneamente; por outro lado, só satisfazem as diversas necessidades
dos próprios produtores, na medida em que cada espécie de trabalho privado útil
é permutável - isto é, é equivalente a - qualquer outra espécie de trabalho
privado útil. A igualdade de trabalhos que diferem toto coelo uns dos
outros só pode consistir numa abstração da sua desigualdade real, na
redução ao seu caráter comum de dispêndio de força humana, de trabalho humano
abstrato, e é somente a troca que opera esta redução, pondo em presença uns dos
outros, num pé de igualdade, os produtos dos mais diversos trabalhos.
O duplo caráter social dos trabalhos
privados apenas se reflete no cérebro dos produtores sob as formas em que se
manifestam no tráfico concreto, na troca dos produtos; [o caráter socialmente
útil dos seus trabalhos privados, no fato de o produto do trabalho ter de ser
útil, e útil aos outros; e o caráter social de igualdade dos diferentes
trabalhos" no caráter comum de valor desses objetos materialmente
diferentes os produtos do trabalho.]
Quando os produtores relacionam
os produtos do seu trabalho a título de valores, não é que eles vejam neles um
simples invólucro sob o qual se esconde um trabalho humano idêntico; pelo
contrário, ao considerarem iguais na troca os seus diversos produtos,
pressupõem com isso que os seus diferentes trabalhos são iguais. Eles fazem-no
sem o saber. Portanto, o valor não tem, escrito na fronte, o que ele é. Longe
disso, ele transforma cada produto do trabalho num hieróglifo [social]. Somente
com o tempo o homem procurará decifrar o sentido do hieróglifo, penetrar nos
segredos da obra social para a qual contribui, pois a transformação dos objetos
úteis em valores é um produto da sociedade, tal como o é a linguagem.
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