Antoine Artous, autor de diversos livros sobre a obra de Marx, concedeu
uma estimulante entrevista ao pesquisador da Unicamp Henrique Amorim. Na pergunta
sobre o conceito de fetichismo da mercadoria, Artous insiste na tese de dois
Marxs – o dos Manuscritos de 1844 versus o de O Capital
Henrique
Amorim - Qual é a importância do conceito de fetichismo da mercadoria em Marx?
A teoria do fetichismo é um desenvolvimento da teoria da alienação?
Antoine
Artous - Existe certamente um elo nas
preocupações de análise. Trata-se de dar conta sobre como, nas relações de
produção capitalistas, as relações sociais se conectam acima da cabeça dos
indivíduos (e, em primeiro lugar, dos assalariados) e aparecem como o movimento
da “coisa social” (o capital, o trabalho, a mercadoria...), relações sociais
que são “naturalizadas”, consideradas como “naturais”. Em todo caso, a teoria
da alienação, caso se queira levá-la a sério, se apoia numa problemática
“essencialista”; assim, nos Manuscritos de 1844, o jovem Marx faz referência a
uma essência humana (do trabalho) que se expressaria sob uma forma alienada no
trabalho capitalista. Naturalmente Marx, que conhece Hegel , não a considera
naturalista, ela se constrói através da história. Isto tem diversas
consequências na análise (o trabalho explorado é pensado sob a forma de um
trabalho artesanal dominado pelo capital) e nas problemáticas de emancipação: a
emancipação é a marcha para uma sociedade transparente, pois acaba permitindo
que se realize a essência humana. Ora, fundamentalmente, em O Capital, Marx
toma outro ponto de partida: a especificidade das relações sociais de produção
capitalista e seu efeito sobre o agir e o pensamento dos indivíduos. Neste
quadro, a teoria do fetichismo não remete ao que seria uma forma de consciência
alienada, mas à opacidade específica produzida pela dominação social da forma
valor caracterizada pelas relações de produção capitalistas. Aqui, a concepção
da dita “ideologia” é interessante, pois Marx não se refere inicialmente à
produção manipulada de ideias pela classe dominante, mas – de certa forma – a
um campo de visão imbricado nas relações sociais. É, por exemplo, desta maneira
que Marx critica a economia política clássica, sem fazer disso um simples
discurso apologético.
Nenhum comentário:
Postar um comentário