sábado, 20 de abril de 2013

Fetichismo da mercadoria e da produção.


Segue a terceira parte da tradução livre dos comentários de Guillaume Collinet sobre o livro “Le fétichisme chez Marx, le marxisme comme théorie critique” de Antoine Artous . Nesta postagem, Collinet registra a existência de um outro fetichismo, próprio da organização capitalista de produção. Dedica tb alguns comentários ao fenômeno da “reificação/coisificação” e conclui com a afirmação “No capitalismo, as pessoas parecem dominadas por coisas, por  "abstrações" (Jean-Marie Vincent), e não por pessoas, o que resume, de forma precisa, o conceito de fetichismo”.
“Uma das outras contribuições importantes da reflexão de Artous refere-se a teoria do fetichismo em si. Frequentemente, ela é reduzida à teoria do fetichismo da mercadoria. No entanto, é possível mostrar que, nos textos dedicados à "submissão real dos trabalhadores ao capital", Marx revela um segundo fetichismo:  aquele que é próprio da organização capitalista de produção. O conceito de "submissão real", na verdade, é o fato de que, no processo de produção capitalista, o trabalhador, além de não possuir os meios de produção ("submissão formal") perde o controle do processo. Em outras palavras, o trabalhador é transformado em um simples auxiliar dos meios de produção (através da mecanização, é confinado a simples executor, etc.).
Consequentemente, os meios de produção aparecem como sendo eles próprios fontes de valor (como evidenciado pela distinção adequada para a economia burguesa, capital de giro e capital fixo, que esconde a diferença radical entre trabalho e meios de produção). O próprio Marx sugere a relação desta representação com a de fetichismo da mercadoria. Sendo certo que, no último caso, o fetichismo toma a forma de uma "coisificação das relações sociais”, enquanto que na da organização, a sua forma é, mais uma " personificação das coisas "(meios produção como uma personificação do capital).

Apresentando um fetichismo peculiar à organização capitalista de produção, distinto daquele da mercadortia, Artous  explora a fundo uma intuição de Marx, sendo que este último, como veremos, não permaneceu sempre fiel a ela. Porque esta extensão da teoria do fetichismo é repleta de implicações teóricas. Em particular, leva a uma ruptura com a definição clássica marxista do capitalismo como uma simples generalização das relações de mercado. Se é verdade que a organização capitalista engendra formas de dominação de opacidade e dominação irredutíveis a aquelas geradas por relações comerciais, conclui-se que o capitalismo também é definido pela instituição de formas organizacionais específicas. Isso implica que outra  forma organizada de produção não é suficiente por si só para definir o socialismo. A tradição marxista, incluindo o próprio Marx, estava errada ao identificar  a passagem da forma-mercadoria de produção para a produção planificada. A própria organização pode se tornar uma forma social, fetichizada e pode dar origem à relações de classe. A abolição do mercado não significa o fim da exploração. Nota-se, aprofundando a ideia de um fetichismo da organização, que a reflexão de Artous nos confronta com questões fundamentais para o desenvolvimento de um "socialismo do século XXI".

Teoria do fetichismo e da teoria da reificação

Os textos de Marx consagrados à organização capitalista foram lidos atentamente por muitos autores marxistas, Lukács em particular, que constata e antecipa o fato que o desenvolvimento do capitalismo leva a uma redução das referencias  diretas do comércio, e a um aumento da forma organizada de produção. Em “História e Consciência de Classe”, Lukács desenvolve uma teoria da reificação destinada a considerar esta evolução; assim introduz uma série de notáveis ​​inflexões na teoria marxista do fetichismo.

Ao contrário de Marx, Lukács parte do processo imediato de produção (ele elide o momento específico das relações de mercado). E marca neste processo uma aplicação desenfreada do "princípio de racionalização sobre a base de cálculo" (Weber). Em outras palavras, a organização capitalista não é apenas o local de extorsão do sub-trabalho, ela se caracteriza também e especialmente por uma perda de propriedades individuais e qualitativas do trabalho humano, como resultado da quantificação de trabalho realizado no processo de produção capitalista. Por isso, ´preciso radicalizar a teoria do fetichismo. Não são mais apenas as relações sociais que se encontram coisificadas, mas as próprias pessoas. Esta lógica de reificação não afeta não só o processo de produção. Ela tende a invadir todo o espaço social, até envolver as formas jurídicas, políticas, e mesmo científicas que acompanham a ascensão da sociedade burguesa.

Mas, para Artous, esta teoria da reificação, por mais impressionante que seja, subestima as contradições inerentes às relações sociais capitalistas. Se, na relação salarial, o trabalhador é reduzido ao status de simples coisa, não há mais qualquer diferença fundamental entre este relacionamento e entre um mestre e seu escravo, ou um senhor e um servo ( no qual, de fato, o trabalhador já não é uma pessoa, mas uma coisa).
Lukács abole a especificidade da relação salarial de exploração. O assalariado moderno coloca à disposição do capitalista não a sua pessoa inteira, mas apenas a sua força de trabalho. Seu status é contraditório: ele é, por sua vez, sujeito de direito e objeto do despotismo da fábrica. Na mesma linha, a análise lukacsiana das formas políticas da sociedade burguesa permanecem unilaterais.
Na esteira de Weber, o autor de “História e consciência de classe”, define o estado moderno como um aparelho burocrático, no qual a vontade coletiva é coisificada. Esta definição tem certamente uma parte de verdade. Mas o Estado moderno é também um estado supostamente representativo e fundado na pretensão de liberdade e igualdade.

Esta crítica de Lukács permite reafirmar mais uma vez que as formas de representações das relações sociais, enquanto fontes de opacidade não são redutíveis a meras ilusões, fingimentos. A essência da teoria do fetichismo de Marx é justamente mostrar que as  relações sociais capitalistas não são transparentes em si, sem portanto rebater as referências dos relatórios de dependência pessoal. A exploração, mudando a aparência, muda sua natureza. No capitalismo, as pessoas parecem dominadas por coisas, por  "abstrações" (Jean-Marie Vincent), mas não por pessoas, o que resume, de forma precisa, o conceito de fetichismo”.
Referência:
Guillaume Collinet, "Antoine Artous, o fetichismo de Marx marxismo como teoria crítica,"| 2006 posted 27 de dezembro de 2012, http://variations.revues.org/525





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