Em abril de 1978, Althusser
publica o texto com o título acima. Nas primeiras linhas critica os “vestígios” da juventude que, segundo
ele, estão presentes em O Capital. No final do trecho selecionado, defende que “somente
uma teoria "finita" pode ser realmente "aberta" às
tendências contraditórias que descobre na sociedade capitalista, e aberta ao
seu devenir aleatório, aberta às imprevisíveis "surpresas" que sempre
marcaram a história do movimento operário; aberta, portanto atenta, capaz de
levar a sério e assumir em tempo a incorrigível imaginação da história”.
“Tão logo se liberta dos tons
proféticos dos seus escritos de juventude e do socialismo utópico (que, diga-se
de passagem, ainda permanecem, de certo modo, em O capital), Marx pensa o comunismo
como uma tendência da sociedade capitalista. Essa tendência não é uma
resultante abstrata. Existem já, concretamente, nos "interstícios da
sociedade capitalista" (assim como existiam as trocas mercantis nos
"interstícios da sociedade escravista e feudal") formas virtuais de
comunismo: como nas formas de associação que, guardadas as devidas proporções,
tendem a escapar das relações de mercado.
Por trás dessas questões há um
problema teórico muito importante. Eu creio que a teoria marxista é
"finita", limitada: que ela é limitada à análise do modo de produção
capitalista, e de sua tendência contraditória, que abre a possibilidade da passagem
para a abolição do capitalismo e sua substituição por "outra coisa",
que se delineia já "como um vazio" e positivamente, na sociedade
capitalista. Dizer que a teoria marxista é "finita" significa
sustentar a idéia essencial de que a teoria marxista é totalmente distinta
de uma filosofia da história, que pretenda "englobar" todo o
devenir da humanidade pensando-o efetivamente, e que seria, portanto, capaz de
definir, antecipadamente e de modo positivo, o seu fim: o comunismo. A teoria
marxista (se se deixa de lado a tentação de uma filosofia da história, à qual o
próprio Marx às vezes cedeu, e que dominou de modo esmagador a Segunda
Internacional e o período staliniano) está inscrita na fase atual existente,
e é limitada a ela: a fase da exploração capitalista. Tudo que ela pode
dizer do futuro é o prolongamento alusivo e em negativo da
possibilidade objetiva de uma tendência atual, a tendência ao comunismo,
que pode ser observada em toda uma série de fenômenos da sociedade capitalista
(da socialização da produção às formas sociais "intersticiais"). É
preciso observar que é a partir da sociedade atual que pode ser pensada
a transição (ditadura do proletariado, sob a condição de não se desvirtuar
instrumentalmente esta expressão) e a extinção ulterior do Estado. Tudo o que
se diz sobre a transição só pode ser uma indicação induzida por uma
tendência atual que, como toda tendência em Marx
é contraposta a outras tendências e só pode se realizar por meio de uma
luta política. Porém, esta realidade não pode ser prevista já na sua forma
positiva determinada: é apenas no curso da luta que as formas positivas podem
aparecer à luz do dia, se descobrir, se tornar realidade.
Conseqüentemente, a idéia de
que a teoria marxista é "finita" exclui totalmente a idéia de que ela
seja uma teoria "fechada". Fechada é a filosofia da história, na qual
está antecipadamente contido todo o curso da história. Somente uma teoria
"finita" pode ser realmente "aberta" às tendências
contraditórias que descobre na sociedade capitalista, e aberta ao seu devenir
aleatório, aberta às imprevisíveis "surpresas" que sempre marcaram a
história do movimento operário; aberta, portanto atenta, capaz de levar a sério
e assumir em tempo a incorrigível imaginação da história.
Importante salientar, desde logo, que as (mal) traçadas linhas a seguir não avançam, exatamente, ao tema do "post" ora comentado. Ao contrário, elas têm o singelo objetivo de acrescentar algo (se é que possível!) ao presente (e substancioso!) "blog". Nada mais. Talvez fosse (quem sabe?) mais proveitoso --- pela proximidade c/ a área de minha formação --- falar, v.g., sobre o Direito, o Estado, e as Leis, na obra do filósofo grego NICOS POULANTZAS --- por meio da qual, aliás, pude ter breve noção acerca de ALTHUSSER ---, o que, d.m.v., será deixado p/ outra oportunidade. Pois bem. Deve ser lembrado --- por mera curiosidade --- que ALTHUSSER era, originalmente, apenas "mais um" dentre a legião de estudiosos do Marxismo. Com efeito, seus primeiros escritos --- "nascidos" na "rue d’Ulm", endereço parisiense, s.m.j., da "École Normale Supérieure", onde trabalhava --- guardavam relação c/ o pensamento político moderno (como, v.g., HOBBES; ROUSSEAU; MONTESQUIEU), os quais (estes sim) despertaram, aos poucos, a atenção de intelectuais como, p.ex., MICHEL PÊCHEUX ("a.k.a." THOMAS HERBERT, pseudônimo por vezes utilizado); CHARLES BETTELHEIM; e, sobretudo, NICOS POULANTZAS. Note-se, no entanto, que o conjunto de trabalhos realizados por ALTHUSSER foi deveras alterado no período 1960/1980. Veja-se, p.ex., que, em sua origem, o pensador argelino defendia ser o "materialismo dialético" a fonte de conhecimento para a ciência da história, ao passo que, "ao apagar das luzes" de 1960, condenava os próprios escritos, impregnados --- segundo ele, repita-se --- pelos formalismo e “estruturalismo” exacerbados. Por seu turno, tendo, notadamente, o ano de 1978 como marco inicial, "abre fogo" contra a diferenciação estabelecida entre os materialismos histórico e dialético, além de --- é bom que se diga --- incluir o marxismo em um espécie de “tradição recusada” (ou, como preferia, “materialismo contingente"), época em que lavrou, dentre outros, os textos “Marxismo como Teoria ‘Finita’”; e “A Corrente Subterrânea do Materialismo do Encontro”. Bem vistas as coisas, as noções do chamado "materialismo contingente", basicamente, negavam não só a relevância das estruturas na reprodução das relações de produção, mas, igualmente, a acepção teleológica na história, o que --- ainda consoante ALTHUSSER --- restava possível graças ao primado "emprestado" aos encontros aleatórios. Sendo assim, a reprodução poderia ser encontrada no desenvolvimento histórico, formado pela interminável junção dos
ResponderExcluir“átomos” sociais. Destaque-se, por oportuno, que, de acordo com alguns estudiosos --- como, p.ex., GIORGOS FOURTOUNIS e WARREN MONTAG ---, o denominado "marxismo contingente" (ou "de encontros", como preferirem), possui várias características que tornam possível compará-lo ao momento de origem de ALTHUSSER. Por fim, embora não menos importante, cabe destacar os escritos de AUGUSTO CESAR FREITAS DE OLIVEIRA (“Razões ‘Humanas’ Para Esquecer Althusser”) e MARK POSTER (“Althusser on History Without Man”) como de grande valor à compreensão sobre os conceitos de "marxismo humanista" traçados por ALTHUSSER. Aliás --- desde já rogo perdão se estiver enganado ---, há, sobre o mesmo tema, um interessante livro, chamado "A Polêmica sobre o Humanismo", o qual, igualmente, proporcionará um melhor entendimento sobre a questão.
Espero, como já dito, ter, de algum modo, contribuído.
Em última análise --- perdoe-me a franqueza --- serviu p/, na medida do possível, diminuir o emaranhado de idéias --- um verdadeiro "mix" de conteúdos totalmente variados, alguns úteis, outros nem tanto, acrescidos, p/ dificultar as coisas, de pensamentos em tudo parecidos c/ aquelas "ervas daninhas" que insistem em atormentar qq colheita --- daquele que escreve.
Um forte abraço,
BR
Caro BR,
ResponderExcluirPra variar, seu comentário agrega valor à postagem e amplia os horizontes. Continue sempre assim. Os leitores agradecem.
abs
Elysio Pires