domingo, 13 de maio de 2012

O fetichismo sem objeto.

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Desde a minha releitura serena e não dogmática do trecho dedicado ao fetichismo da mercadoria - no Volume 1 do Capital - firmei a convicção de que essa tese do velho Karl o diferenciava dos economistas clássicos ingleses e, de uma certa forma antecipava a sociedade pós-industrial, onde o consumo é o senhor absoluto. Selecionei um trecho de artigo de Isleide Arruda Fontenelle, professora da FGV, onde ela se refere ao fetiche da nova era que se inicia onde não existe mais um objeto a ser consumido, mas apenas gozado – ou, como se refere Zizek, um “estranho fenômeno: o fetichismo sem objeto”.

“É Slavoj Zizek – na tradição de Marx e da Teoria Crítica, bem como no resgate de uma abordagem política da psicanálise – quem vai refazer o empreendimento frankfurtiano (da junção objetividade e subjetividade; ou se quiser, marxismo e psicanálise) a fim de compreender a ilusão inconsciente que sustenta o agir da posição cínica. E é nesse ponto em que podemos re-estabelecer a relação entre fetichismo e alienação: no “sabe, mas age como se...” há um saber (que poderíamos até identificar como o oposto da “falsa consciência” marxista), que mesmo revelado, não consegue promover a emancipação. Isso porque há um desconhecimento que se manifesta no agir (Zizek diz que a realidade é o lugar da ilusão) – portanto, fruto de uma forma de alienação ligada a configurações históricas específicas e a uma forma de poder que a elas corresponde. Neste caso específico que é o nosso, embora saibamos que existimos para além da imagem, estamos enredados em um modelo social no qual só nos inserimos como sujeitos mediante a imagem.
Como lêem bem o desejo e respondem a ele com fetiche, não surpreende que as novas pesquisas de mercado indiquem uma busca pelo “retorno ao corpo” – pela via sensorial –, e no avesso disso, indiquem também a procura pela experiência “psicoespiritual”. É de novo Zizek quem vai mostrar como a chamada “espiritualidade new age” funciona como um grande fetiche dos nossos tempos. Pois essas formas modernas de espiritualidade estampam uma experiência intensa da materialidade, no sentido dessa relação com o corpo – aquele corpo “indestrutível e não criado, que persiste para além da deterioração do corpo físico (...) uma corporeidade imaterial do corpo sem corpo (...) na sua materialidade sublime” (1991, p. 137).
A relação constitutiva entre corpo e alienação – tão presente nas teorias marxista e psicanalítica – precisa ser retomada a partir dessa nova perspectiva dada pela realidade social na qual nos encontramos: chegamos a um estágio tal de descartabilidade, desterritorialização, descontinuidade temporais, que o fetiche ganha um estranho formato nessa nova era tido como “do acesso”: de não haver mais um objeto a ser consumido, mas apenas gozado – o que coincide com o que foi dito por Zizek em sua palestra no Brasil em 2004 – que os lacanianos já estão se dando conta de um “estranho fenômeno: o fetichismo sem objeto”.
É preciso buscar, portanto, onde está o Real da ilusão nessa nova forma de organização social da ilusão. Ou seja: o lugar onde o sujeito busca “dar consistência à sua identidade fora dos ‘títulos’, dos referenciais que o situam na rede simbólica universal, uma maneira de presentificar (...) sua fantasia” (Zizek, 1991, p. 149-150).




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