Tenho me dedicado,
nos últimos dias, à leitura das notas de pé de página do Capital. Nas próximas postagens vou selecionar algumas
muito curiosas da seção 4 – O Fetichismo das Mercadorias e seu Segredo – do
Capítulo I.
Neste primeiro
ensaio, destaco a critica de Marx a “ Adam Smith e Ricardo que tratam a
forma-valor como qualquer coisa de indiferente ou sem qualquer relação intima
com a natureza da própria mercadoria”. O detalhe é revelador do todo: o
fetichismo da mercadoria é a diferenciação básica de Marx/Engels dos
economistas clássicos ingleses – a forma-valor tem relação íntima com a
natureza da mercadoria.
Primeiro o texto e,
a seguir, a nota de pé de página:
O texto:
“É certo que a
economia política, embora de uma forma muito imperfeita, analisou o valor e a
grandeza do valor [e descobriu o conteúdo escondido nessas formas]. Mas nunca
pôs a questão de saber [porque é que esse conteúdo reveste essa forma,] por que
é que o trabalho se representa no valor, e a medida do trabalho pela sua
duração na grandeza do valor dos produtos.(vide nota)
A Nota:
“Uma das falhas principais da economia política clássica é nunca ter conseguido
deduzir da sua análise da mercadoria, e especialmente do valor dessa
mercadoria, a forma[-valor] sob a qual ela se torna valor-de-troca. São
precisamente os seus melhores representantes, tais como Adam Smith e Ricardo que
tratam a forma-valor como qualquer coisa de indiferente ou sem qualquer relação
intima com a natureza da própria mercadoria. Não se trata somente de a sua
atenção ser absorvida pelo valor como grandeza. A razão disso é mais profunda.
A forma-valor do produto de trabalho é a forma mais abstrata e mais geral do atual
modo-de-produção, [burguês], que adquire, por isso mesmo, um caráter histórico,
o caráter de um modo particular de produção social. Se se comete o erro de a
tomar pela forma natural, eterna, de toda a produção em todas as sociedades,
perde-se necessariamente de vista o lado especifico da forma-valor, logo, da
forma mercadoria e, em maior grau, da forma-dinheiro, da forma-capital, etc. É
isto que explica a razão por que se encontram em economistas, completamente de
acordo entre si sobre a medição de grandeza do valor pela duração do trabalho,
as ideias mais diversas e mais contraditórias sobre o dinheiro, ou seja, sobre
a forma acabada do equivalente geral. Nota-se isto sobretudo quando se trata de
questões como a dos bancos, por exemplo; é então um nunca mais acabar de
definições do dinheiro e de lugares-comuns constantemente debitados a este
propósito. [Por isso surgiu em sentido contrário um sistema mercantilista
restaurado (Ganilh, etc.) que vê no valor apenas a forma social, ou melhor,
apenas a sua aparência desprovida de substância.] Aproveito para chamar a
atenção, uma vez por todas, que entendo por economia política clássica toda
a economia que, a partir de Willlam Petty procura penetrar no conjunto real e
intimo das relações de produção na sociedade burguesa, por oposição à economia
vulgar, que se contenta com as aparências, rumina sem cessar, por
necessidade própria e para vulgarização dos fenômenos mais notórios, os
materiais já elaborados pelos seus predecessores, limitando-se a erigir
pedantemente em sistema e a proclamar como verdades eternas as ilusões com que
os burgueses gostam de povoar o seu mundo, para eles o melhor dos mundos
possíveis. “
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