Tenho me dedicado,
nos últimos dias, à leitura das notas de pé de página do Capital. Segue mais um
trecho da seção 4 – O Fetichismo das Mercadorias e seu Segredo – do Capítulo I,
onde Marx enfatiza a “...formação social em que a produção e as suas relações
comandam o homem em vez de serem por ele comandadas”.
Na nota de pé-de-página”,
aproveita para manifestar seu tradicional repúdio às ideias de Bastiat –
defensor intransigente do modo capitalista de produção. Vale lembrar que
Schumpeter comungava com o pensamento do velho Karl: “Eu nunca achei que
Bastiat fosse um mau teórico. Eu defendo que ele nunca foi um teórico”.
Primeiro o texto e,
a seguir, a nota de pé-de-página:
O texto:
Fórmulas, que logo
à primeira vista mostram pertencer a uma formação social em que a produção e as
suas relações comandam o homem em vez de serem por ele comandadas, surgem à sua
consciência burguesa como uma necessidade tão natural como o próprio trabalho
produtivo. Nada de espantar que as formas de produção social que precederam a
produção burguesa sejam tratadas da mesma maneira que os Padres da igreja
tratam as religiões que precederam o Cristianismo.(Vide nota)
A Nota:
"Os economistas têm uma maneira singular de proceder . Para eles
existem apenas duas espécies de instituições, as artificiais e as naturais. As
instituições feudais são instituições artificiais; as da burguesia são
instituições naturais. Nisto assemelham-se aos teólogos, que também distinguem
duas espécies de religiões: qualquer religião que não seja a sua é uma invenção
dos homens, enquanto que a sua própria religião é uma emanação de Deus. Deste
modo, houve história, mas já não há" (Karl Marx, Misere de la
Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misere de M. Proudhon 1837, p.
113). O mais divertido é Bastiat, que imagina que os gregos e os romanos viviam
apenas da rapina. Mas para se viver da rapina durante vários séculos, é
necessário que tenha existido sempre qualquer coisa para roubar ou que o objeto
das rapinas continuas se reproduza constantemente. É de crer, pois, que os
gregos e os romanos tivessem também o seu processo de produção, e portanto uma
economia que constituía tanto a base material da sua sociedade, quanto a
economia burguesa constitui a base da sociedade actual. Ou pensará Bastiat que
um modo-de-produção assente no trabalho dos escravos é um sistema de roubo?
Coloca-se então num terreno perigoso. Quando um gigante do pensamento como Aristóteles
pode enganar-se na sua apreciação do
trabalho escravo, por que é que um economista anão como Bastiat haveria de
acertar na sua apreciação do trabalho assalariado? Aproveito esta oportunidade
para responder sucintamente a uma objecção que me foi feita por um jornal
germano-americano a propósito da minha obra: Zur Kritik der Politischen
Ökonomie, publicada em 1859. Segundo ele, a minha opinião de que o
modo-de-produção determinado e as relações sociais que dai derivam, numa
palavra, "a estrutura económica da sociedade, é a base real sobre a qual
se eleva o edifício jurídico e político", de tal maneira que "o
modo-de-produção da vida material domina em geral o desenvolvimento da vida
social, política e intelectual", segundo ele, esta opinião seria justa
para o mundo moderno, dominado pelos interesses materiais, mas não para a Idade
Média, onde dominava o catolicismo, nem para Atenas e Roma, onde dominava a
política. Desde logo, é estranho que alguém se disponha a crer que alguém
ignora estas trivialidades sobre a Idade Média e a antiguidade. O que é
evidente e que nem a primeira podia viver do catolicismo, nem a segunda da
política. Pelo contrário, as condições económicas de então explicam a razão por
que, no primeiro caso o catolicismo e no segundo a política, desempenhavam o
papel principal. De resto, um mínimo de conhecimentos sobre a história da
república romana, por exemplo, basta para ver que o segredo da sua história é a
história da propriedade fundiária. Por outro lado, ninguém ignora que já D.
Quixote teve que se arrepender por ter acreditado que a cavalaria andante era
compatível com todas as formas econômicas da sociedade.
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