O senador Cristovam Buarque publica em seu site uma interessante análise
do último livro de Eric Hobsbawn – “Como mudar o mundo” - Buarque destaca, de saída, a abertura
original do livro que relata o encontro do historiador com o milionário financista George Soros e
enfatiza, em trecho a seguir, o caráter não dogmático do marxismo.
“Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte
marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo,
encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com
o objetivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que
este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o
conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto
direto que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há
150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em
conta”.
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Que coisas de Marx é preciso conservar? Em primeiro lugar, a natureza
política de seu pensamento. Para ele, mudar o mundo é o mesmo que interpretá-lo
(parafraseando uma das míticas “Teses de Feuerbach”); Hobsbawm considera que há
um temor político em vários marxistas de se verem comprometidos com uma causa,
sabendo de antemão que para entrar na leitura de Marx teve que haver primeiro
um desejo de tipo político: a intenção de mudar o mundo.
Em segundo lugar, a grande descoberta científica de Marx, a mais-valia,
também tem lugar neste ensaio histórico de erro e acerto. Reconhecer que há
parte do salário do operário que o capitalista conserva para si com o objetivo
de aumentar os lucros, com a passagem do tempo é encontrar a prova de uma
opressão histórica, o primeiro passo para chegar a uma verdadeira sociedade sem
classes, sem oprimidos. Os operários estão conscientes dessa injustiça e só
mediante uma organização política coerente poderão “dar uma reviravolta”. Ao
contrário do que acreditavam os gurus da globalização, nem os operários nem o
Estado são conceitos em desuso: Hobsbawm esclarece que “os movimentos operários
continuam existindo porque o Estado-nação não está em vias de extinção”.
Por último, a existência de uma economia globalizada demonstra aquilo
que Marx reconheceu como a capacidade destruidora do capitalismo, mais um
problema a resolver que um sistema histórico definitivo. Hobsbawm chama a
atenção, a partir do filósofo alemão, para essa “irresistível dinâmica global
do desenvolvimento econômico capitalista e sua capacidade de destruir todo o
anterior, incluindo também aqueles aspectos da herança do passado humano dos
quais o capitalismo se beneficiou, como, por exemplo, as estruturas
familiares”. O capitalismo é selvagem por natureza e seu final – ao menos, o
final da ideia clássica de capitalismo – é evidente para qualquer pessoa no
mundo.
É muito difícil dizer que da análise de Marx se possa tirar um plano de
ação “à prova de bala”. A teoria marxista clássica falou muito pouco sobre
modelos de Estado ou do que aconteceria uma vez instalada a revolução, mas
muito sobre análise econômica: pensando o que acontece é que se pode saber como
agir. O que Marx deu foram ferramentas, não receitas dogmáticas. Como bem disse
Hobsbawm, os livros de Marx “não formam um corpus acabado, mas são, como todo
pensamento que merece este nome, um interminável trabalho em curso. Ninguém vai
convertê-lo em dogma, e menos ainda em uma ortodoxia institucionalmente
ancorada”.
Íntegra do comentário em
http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_content&view=article&id=4402:como-mudar-o-mundo-novo-livro-de-hobsbawm-&catid=1&Itemid=100038
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