Em 1986, Moishe Postone, professor da Universidade de
Chicago, produz uma excelente análise do antissemitismo e o nazismo onde faz um
diagnóstico sobre o fetichismo da mercadoria. Selecionei um trecho (tradução de Nuno Miguel Cardoso Machado) e a
seguir reproduzo os primeiros parágrafos do volume 1 do Capital para evidenciar
a sintonia de Marx com a sociedade de consumo que se consolidaria mais de 1 século
após a publicação (1867) de sua obra maior. Postone não é um marxista “clássico”
e faz uma leitura contemporânea de Marx.
“Estas considerações conduzem-nos ao conceito Marxiano de
fetiche, cuja intenção estratégica era providenciar uma teoria social e
histórica do conhecimento alicerçada na diferença entre a essência das relações
sociais capitalistas e as suas formas manifestas. Subjacente ao conceito de
fetiche está a análise Marxiana da mercadoria, do dinheiro e do capital, não
enquanto meras categorias económicas, mas antes como formas das relações
sociais peculiares que caracterizam essencialmente o capitalismo. Na sua
análise, as formas capitalistas das relações sociais não aparecem como tal, mas
expressam-se apenas numa forma objetivada. O trabalho [labor], no capitalismo,
não é apenas uma atividade produtiva social (“trabalho concreto”), mas atua
igualmente, no lugar de relações sociais abertas, como mediação social
(“trabalho abstrato”). Assim, o seu produto, a mercadoria, não é meramente um
produto no qual está objectivado trabalho concreto; é também uma forma de
relações sociais objetivadas. No capitalismo, o produto não é um objeto mediado
socialmente por formas transparentes de relações sociais e de dominação. A
mercadoria, enquanto objetivação de ambas as dimensões do trabalho no
capitalismo, é a sua própria mediação social. Possui, portanto, um “duplo caráter”:
valor de uso e valor. Enquanto objeto, a mercadoria expressa e ao mesmo tempo
oculta relações sociais que não possuem qualquer outro modo “independente” de
expressão. Este modo de objetivação das relações sociais constitui a sua
alienação. As relações sociais fundamentais do capitalismo adquirem uma vida
própria quase-objetiva. Elas constituem uma “segunda natureza”, um sistema de
dominação e compulsão abstratas que, embora social, é impessoal e “objetivo”.
Estas relações não parecem ser sociais de todo, mas naturais. Ao mesmo tempo,
as formas categoriais expressam uma concepção particular, socialmente
constituída, da natureza em termos de um comportamento objetivo, regrado [lawful]
e quantificável de uma essência qualitativamente homogénea. As categorias
Marxianas expressam simultaneamente relações sociais particulares e formas de
pensamento. A noção de fetiche refere-se a formas de pensamento baseadas em
percepções que permanecem presas às formas de aparência das relações sociais
capitalistas.”
A seguir a abertura do volume 1 de O Capital. O primeiro
capítulo é dedicado ao estudo da mercadoria – destaque para a seção 4 ( O
Fetichismo da Mercadoria e seu segredo – transcrito na íntegra neste blog)
“A riqueza
das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como
uma imensa acumulação de mercadorias. A análise da mercadoria, forma elementar
desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação.
A mercadoria
é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades,
satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades
tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a
questão. Não se
trata tão pouco aqui de saber como são satisfeitas essas necessidades:
imediatamente, se o objeto é um meio de subsistência, [objeto de consumo,]
indiretamente, se é um meio de produção.”
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