domingo, 29 de maio de 2016

A mercadoria e seu fetiche by Postone

Em 1986, Moishe Postone, professor da Universidade de Chicago, produz uma excelente análise do antissemitismo e o nazismo onde faz um diagnóstico sobre o fetichismo da mercadoria. Selecionei um trecho  (tradução de Nuno Miguel Cardoso Machado) e a seguir reproduzo os primeiros parágrafos do volume 1 do Capital para evidenciar a sintonia de Marx com a sociedade de consumo que se consolidaria mais de 1 século após a publicação (1867) de sua obra maior. Postone não é um marxista “clássico” e faz uma leitura contemporânea de  Marx.

“Estas considerações conduzem-nos ao conceito Marxiano de fetiche, cuja intenção estratégica era providenciar uma teoria social e histórica do conhecimento alicerçada na diferença entre a essência das relações sociais capitalistas e as suas formas manifestas. Subjacente ao conceito de fetiche está a análise Marxiana da mercadoria, do dinheiro e do capital, não enquanto meras categorias económicas, mas antes como formas das relações sociais peculiares que caracterizam essencialmente o capitalismo. Na sua análise, as formas capitalistas das relações sociais não aparecem como tal, mas expressam-se apenas numa forma objetivada. O trabalho [labor], no capitalismo, não é apenas uma atividade produtiva social (“trabalho concreto”), mas atua igualmente, no lugar de relações sociais abertas, como mediação social (“trabalho abstrato”). Assim, o seu produto, a mercadoria, não é meramente um produto no qual está objectivado trabalho concreto; é também uma forma de relações sociais objetivadas. No capitalismo, o produto não é um objeto mediado socialmente por formas transparentes de relações sociais e de dominação. A mercadoria, enquanto objetivação de ambas as dimensões do trabalho no capitalismo, é a sua própria mediação social. Possui, portanto, um “duplo caráter”: valor de uso e valor. Enquanto objeto, a mercadoria expressa e ao mesmo tempo oculta relações sociais que não possuem qualquer outro modo “independente” de expressão. Este modo de objetivação das relações sociais constitui a sua alienação. As relações sociais fundamentais do capitalismo adquirem uma vida própria quase-objetiva. Elas constituem uma “segunda natureza”, um sistema de dominação e compulsão abstratas que, embora social, é impessoal e “objetivo”. Estas relações não parecem ser sociais de todo, mas naturais. Ao mesmo tempo, as formas categoriais expressam uma concepção particular, socialmente constituída, da natureza em termos de um comportamento objetivo, regrado [lawful] e quantificável de uma essência qualitativamente homogénea. As categorias Marxianas expressam simultaneamente relações sociais particulares e formas de pensamento. A noção de fetiche refere-se a formas de pensamento baseadas em percepções que permanecem presas às formas de aparência das relações sociais capitalistas.”
A seguir a abertura do volume 1 de O Capital. O primeiro capítulo é dedicado ao estudo da mercadoria – destaque para a seção 4 ( O Fetichismo da Mercadoria e seu segredo – transcrito na íntegra neste blog)

“A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma imensa acumulação de mercadorias. A análise da mercadoria, forma elementar desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação.
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. Não se trata tão pouco aqui de saber como são satisfeitas essas necessidades: imediatamente, se o objeto é um meio de subsistência, [objeto de consumo,] indiretamente, se é um meio de produção.”



Nenhum comentário:

Postar um comentário